Categoria: Desenvolvendo o hábito de escrever

A mente do escritor

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Escritores não são pessoas especiais ou alvos inatingíveis, hoje eu creio que qualquer pessoa pode se tornar um escritor, desde que aprenda a pensar como um escritor e, obviamente, a passar seus pensamentos por escrito como um escritor. Mas qual é o modo de pensar do escritor?

A mente de alguém que tem a literatura como atividade prioritária funciona um pouquinho diferente. O escritor observa o mundo à sua volta com atenção aos detalhes que ninguém vê. Uma folha seca presa a uma placa de trânsito pode render um texto. A folha pode representar qualquer coisa, desde a natureza até a própria pessoa que escreve ou mesmo o tempo. A placa de trânsito também pode representar qualquer coisa, desde as mais óbvias até as mais esdrúxulas.

O escritor deve ser capaz de fazer conexões lógicas entre coisas absurdas. Uma meia suja pode ter a ver com uma alga marinha, você só precisa construir uma conexão lógica entre os dois elementos. E isso é o texto literário. Isso é o despertar da criatividade. Abrir espaços. Romper conceitos pré-estabelecidos. Abrir as portas e as janelas. Costurar o ilógico com a lógica. Brincar com as palavras, procurar o humor.

O escritor observa. Observa o mundo, observa as pessoas, observa as interações, observa tudo. Não julga, a princípio, apenas observa e absorve. Ele é curioso, interessado, como um pesquisador de outro planeta. O escritor é de outro planeta.

O escritor é detalhista, ainda que seja impulsivo e hiperativo. Se não é detalhista para descrições, é detalhista para sensações e definições. Ele é detalhista para o raciocínio, para colocar no papel exatamente aquilo que quer transmitir.

 O ato de escrever é mais do que simplesmente ajeitar as sentenças no papel. As palavras pulam, conversam, discutem, dão ideias para o texto. Sentença, no texto, não é aquela dada pelo juiz, com a carga dramática de destino definitivo. Sentença, no texto, é a frase que se arranja, orgânica, com vida própria, e que nós temos que aprender a controlar, a domesticar.

Não sou partidária do texto selvagem, doido, gerado por emoções e cavalgando alucinadamente como um cavalo que fugiu do hospício. Sou fã do texto racional, que usa a emoção a seu favor, mas jamais abusa dela. O texto limpo, sem lugar-comum, evitando frescuras que tentem mostrar erudição do autor. O texto não diz respeito ao autor, mas ao leitor.

Sou entusiasta do texto que acrescenta ao leitor, jamais subtrai. O texto ladrão, pobre e infeliz, que rouba o tempo, rouba a alegria e rouba o entusiasmo merece o meu desprezo (e o seu, também). Mas as palavras que constroem, que abrem portas, implodem muros e ampliam espaços são as que realmente têm meu respeito.

São essas que encontram espaço nos leitores e fazem com que o trabalho do escritor seja realmente útil. São elas que constroem as pontes e abrem as cavernas em que nos recolhemos para escrever. São elas que fazem o escritor deixar de ser um mero repetidor de si mesmo para transmitir o que é universal e que, muitas vezes, o leitor ainda não percebeu.

E, entre todas as ferramentas que um ser humano pode ser, de construção e de desconstrução, a mais bonita delas é uma caneta. Capaz de moldar culturas, transformar sociedades, influenciar gerações, traçar caminhos, desenhar futuros. Todos temos a semente de um Escritor dentro de nós. Todos somos capazes de desenvolver essa habilidade. No entanto, por alguma razão, um esforço descomunal tem sido feito para convencer as pessoas de que escrever é algo reservado a uns poucos iluminados. Assim, aqueles que têm algo a dizer acabam com medo de dizer, pois não fazem parte dos “escolhidos” pela Pena Sagrada.

Escrever é ampliar a voz. É espalhar a voz. Não é reunir palavras ordenadas por regras, simplesmente. Não é engessá-las e reduzi-las a um amontoado de letras formais. É imprimir sentido, é entrelaçar linhas coerentes, é dizer o que se quer dizer de uma forma que os outros, que estão fora de sua cabeça, compreendam. É descobrir o outro. É entender melhor. É encontrar os óculos certos e ajudar a enxergar.

“Vai, pois, escreve isso numa tabuinha perante eles, escreve-o num livro, para que fique registrado para os dias vindouros, para sempre, perpetuamente.” Isaías 30.8

“O Senhor me respondeu e disse: escreve a visão, grava-a sobre tábuas, para que a possa ler até quem passa correndo.” Habacuque 2.2 — Se fosse hoje, acho que Deus mandaria escrever um blog. 😉

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Dica para realmente escrever o que você quer escrever

Algo que me ajuda muito antes de escrever um texto é ter uma ideia clara do que eu quero que meu leitor entenda ao final da leitura. Trabalhar de trás para frente é uma forma de manter o controle do texto. Para isso, faço um pequeno briefing, um resuminho do que pretendo escrever.

Tendo o resumo em mente, você pode construir todo o texto em torno dele. Claro, o resumo não precisa estar escrito no texto. Ele é algo para o escritor se nortear. Pode ser uma frase ou mesmo um parágrafo inteiro. Pense em como você resumiria oralmente a um amigo a ideia do texto que quer escrever.  Por exemplo, meu post anterior tinha como briefing “Incentivar o leitor a fazer exercícios de redação e a tornar a escrita uma atividade divertida e criativa”. Dessa ideia inicial surgiu toda a argumentação. Depois que escrever, releia o seu texto à luz do briefing. Ele está entregando tudo o que seu briefing prometeu? Por exemplo, se eu não falasse em fazer exercícios de redação e não apoiasse esse argumento com exemplos (autobiográficos, no caso), o meu texto teria fugido do briefing. Se fosse uma redação, poderia reprovar por fugir do tema. Se fosse um produto, poderia ser processada por propaganda enganosa. 😀

Releia o post anterior tendo esse briefing em mente e verá que ele é a coluna vertebral que une todos os parágrafos. É o que se chama de “fio condutor”. Se não está apoiando o “incentivar o leitor a fazer exercícios de redação” está apoiando o “incentivar o leitor a tornar a escrita uma atividade divertida e criativa”.

No início, é importante colocar isso por escrito. Mais para frente, pode ser que você nem precise escrever, o briefing estará em sua cabeça. Ou talvez você, como eu, goste de registrar as primeiras ideias, o que o levou a escrever aquele texto. Ainda que o briefing esteja na minha cabeça, gosto de deixá-lo perto do texto. Até porque, se algo acontecer e eu precisar me afastar do computador e tiver que voltar a escrever só daqui a dois dias ou mais, não vou querer confiar na minha memória para me lembrar por que raios comecei a escrever aquele negócio.

 Vai por mim, ideias são coisinhas escorregadias como lagartixas. Ou como minhocas. Ou como coisinhas igualmente gosmentas que escapam de mãos molhadas. E são traiçoeiras. Elas fingem que vão ficar com você até o fim da vida e que será impossível esquecê-las, mas quando você menos espera…desaparecem sem deixar vestígios. E deixam apenas aquela sensação de que aquele parágrafo meio escrito não faz sentido algum. Previna-se: anote tudo. Tudo. O papel (ou o documento do word) é extensão da sua memória.

  

PS: Isso também funciona para ficção. Escreva a ideia principal de cada capítulo e o que você quer que aconteça neles. Depois, é só fazer acontecer. 🙂

PS2: Eu sei, você achava que a inspiração simplesmente vinha e o escritor fazia aquela “escrita mediúnica”, escrevendo tudo de uma sentada só… 

PS3: Eu gosto de lagartixas.