caderno

Hoje (25 de julho) é o dia do escritor! Parabéns para nós!…rs…Minha amiga Sandra Porto compartilhou um link no Facebook sobre como estimular a criança a escrever (clique aqui para ler o artigo). Várias dicas são interessantes (embora algumas coisas nunca tenham passado por minha infância, talvez funcionem…rs…), então comecei a pensar no que foi decisivo para que eu tivesse tanta afinidade com a palavra escrita.

O acontecimento que fez toda a diferença para mim: ganhar um diário. Tudo bem que eu só me interessei em ter um diário quando a Claudia, minha irmã, começou a escrever um, antes disso eu nem sabia do que se tratava. Mas ela agia como se escrever fosse algo tão mágico que eu logo quis colocar minha vida no papel. Eu não sei quando ela ganhou o diário, não tenho essa memória registrada. Só me lembro que era um modelo com fecho de cadeado embutido, com uma capa clara (desenho de um cachorrinho fofo com algum instrumento musical, acho. Um trombone, talvez?). Aos doze anos, ela provavelmente tinha o que registrar (confesso que li o diário dela algumas vezes, mais pela emoção da caçada do que por interesse genuíno, mas não me lembro de absolutamente nada do que ela escreveu, exceto de um relato sobre a morte da minha tia preferida, Esther, algo sobre ter ido com minha mãe reunir seus objetos pessoais, não sei, realmente não me recordo de detalhe algum).

Cansada de pedir sem ser atendida (ninguém achou que uma criança de 7 anos realmente queria um diário), eu, com a criatividade monstro que me é peculiar, peguei um caderno antigo de espiral e o furei de um lado a outro, na altura do que eu imaginava que seria o local do cadeado, peguei um pedaço de arame e atravessei o furo, fazendo o maravilhoso fecho. Anunciei a todos que aquele era meu novo diário. Eu fiquei super orgulhosa da minha genialidade, mas pelo visto era a única a ter tal reação.

(Aqui abro um parêntese para explicar que o mundo dentro da minha cabeça sempre foi meio…digamos…diferente. Aquele “diário” na minha cabeça era a coisa mais linda e se parecia perfeitamente com qualquer dos melhores diários existentes no mundo. A lembrança que eu tenho dele é que era uma coisa fantástica, muito engenhosa, embora eu tivesse a consciência de que era um tanto quanto excêntrico. Na minha cabeça, as coisas simplesmente se transformavam naquilo que eu cria que elas eram. Para você ter uma ideia, alguns anos antes, tínhamos acabado de nos mudar para aquele apartamento no Edifício Dona Neta, minha irmã e nossa vizinha iam para a natação e eu não entendia o porquê de não poder ir também. Alguém então me disse que era porque eu não tinha maiô, nem prancha, nem touca. Corri até meu quarto, vesti o que eu achei mais parecido com um maiô, prancha e touca. Perfeito! Problema resolvido, queria ver quem me impediria de ir! Ao chegar na sala, me surpreendi com a reação das pessoas (qual seria a sua? hahaha…) e só então tive consciência de que estavam diante de uma figurinha vestida com um collant de balé, com um travesseirinho retangular achatado debaixo do braço e uma calcinha na cabeça! 😀 As pessoas ficaram com peninha de mim; naquele dia fiquei em casa, mas assim que tive recomendação médica, fui matriculada na aula de natação.)

No meu planeta o lançamento daquele diário teria status de lançamento de iPad, com cobertura da imprensa e fila na porta das lojas de madrugada. Mas na Terra as pessoas fizeram aquela cara de peninha e não demonstraram grande entusiasmo. Tudo bem, eu tinha grande compaixão pelos mais velhos, compreendia suas falhas de julgamento. Nada abalava meu entusiasmo por coisa alguma, principalmente se fosse criada por mim.

Algum tempo depois, no entanto, minha mãe surgiu com um diário…ou melhor, com o que ela achou que era um diário. Não tinha chave, o que já o descaracterizava enquanto diário aos meus olhos, mas tinha folhas decoradas e capa fofinha. Foi a minha vez de ficar com peninha da minha mãe e não quis que ela percebesse que eu não tinha gostado do presente. Não que eu não tenha gostado, eu gostei, mas ele era muuuito inferior à maravilha que eu havia criado (na minha opinião tendenciosa, é claro…rs…). No entanto, eu tinha aquela mania de querer agradar minha mãe, então a fiz acreditar que aquele era o melhor presente do mundo. Para não decepcioná-la, aposentei minha maravilhosa invenção e resolvi fazer amizade com aquele caderninho.

Na capa havia um casalzinho e uma inscrição: “My Diary”. Achei que seria um bom nome para o meu novo amigo. Eu o chamava de Diary. Me esforçava para fazer uma letrinha bonita, mas eis algo que NUNCA consegui a contento. Aquele foi meu primeiro blog, porque não tinha chave, eu largava em qualquer lugar e não me importava que fosse lido por alguém. Minha irmã mais velha (Naura, que na época tinha 21 anos) sempre era convidada a ler…rs…

E assim foi. Eu tinha uma coleção de lápis de cor. Na verdade, eles eram uma família, os menores eram crianças, tinha até um bebezinho amarelo limão que não ultrapassava os três centímetros de altura. Eu tinha liberdade em casa e dentro da minha cabeça, e meus maiores companheiros eram os lápis e os cadernos. No começo, eu desenhava. Fazia histórias em quadrinhos (novamente, imitando minhas irmãs. Pessoa desprovida de personalidade própria…hahaha…mas é isso que crianças fazem, não é mesmo? Imitam seus referenciais para formar sua identidade). Aos poucos, os textos começaram a tomar conta dos quadrinhos, não tinha mais tanta paciência para desenhar e preferia descrever as cenas. Enquanto minhas irmãs faziam quadrinhos bonitinhos, com desenhos limpinhos e arrumadinhos, as paredes dos meus quadrinhos desabavam e um desenho cabeludo (foi o Santiago que disse que meu traço era “cabeludo”, em uma aula de cartum…hahaha…) era espremido por dezenas de palavras escritas em vanessês arcaico (aqueles hieroglifos que eu insistia em chamar de letra). Tenho a maioria desses cadernos até hoje, para provar.

E eu tinha liberdade, já falei? Minha mãe me deixava mexer na máquina de escrever. Eu achava o máximo. Até que, quando eu tinha oito anos, ela me DEU a máquina dela! Uau! Eu escrevia todas as abobrinhas que me vinham à cabeça e criei o “Jornal Abobrinhal” (minhas principais referências eram Aparício Torelly e Jim Davis, não dava para esperar nada diferente. Perdi as contas de quantas vezes li “As máximas e mínimas do Barão de Itararé” na infância). Minha mãe e todos os meus irmãos eram obrigados a ler e se divertiam, riam, diziam que eu tinha talento. Minha irmã insistia que eu tinha que mandar minhas abobrinhas para o Jô Soares (que tinha acabado de começar seu Talk Show no SBT) e eu, que era muito menos cara-de-pau do que eles imaginavam, secretamente desejava que alguém fizesse isso por mim (hoje dou graças a Deus por ninguém ter feito…hahaha…).

No mesmo ano, meu tio morreu e minha tia foi morar nos Estados Unidos. De lá, ela escrevia cartas enormes para toda a família e para mim. Eu respondia e achava o máximo enviar uma carta para ela. Minha mãe me incentivava a escrever aquelas cartas, e eu me sentia muito importante. Achava um pouco chato quando ela me tratava como criancinha, mas ficava feliz por ter essa ferramenta à nossa disposição! Era como brincar com os cadernos, mas com um adulto que estava muito, muito longe! Escrever encurtava distâncias de uma maneira fantástica.

Como nessa época eu já era bastante estimulada a ler (falei sobre isso aqui), e como passava o dia inteiro escrevendo e desenhando, minhas redações eram elogiadas na escola, o que também era um incentivo. O fato de conviver com pessoas bem mais velhas do que eu em casa também ajudava na questão do vocabulário e da formação do raciocínio lógico. Mas dos cinco aos quinze anos eu só tinha uma grande paixão: teatro. Desde a primeira pecinha infantil que apresentei na escola, até as que apresentava com grupos amadores, eu achava que queria ser atriz. Foi só aos 15 anos que me dei conta de que eu conseguia viver sem atuar, sem desenhar, sem cantar, mas não sem escrever.

Conheci uma menina que me disse que seu sonho era ser algo que eu nunca tinha ouvido ninguém dizer que seria: escritora. Na mesma hora que ouvi, me dei conta de que existia aquela possibilidade, lembrei das histórias que eu criava, da sensação maravilhosa de inventar personagens, de colocar meus pensamentos e sentimentos de forma coerente no papel…pensei em como seria fazer isso a vida inteira, fazer isso para viver e tive certeza: eu também queria.

De lá para cá, um caminho de muita prática, muito estudo, desenvolvendo o amor pela produção de texto e tudo o que envolve esse mundo das letras. Li muito, escrevi mais ainda, meu texto deu um salto absurdo com o advento da internet (e pensar que eu dizia que nunca trocaria minha máquina de escrever por um computador…hahaha…) e dos meus blogs, que me obrigaram a escrever diariamente para leitores que não eram meus irmãos, nem minha mãe, nem minha melhor amiga.

É impressionante como coisas tão simples como um diário ou cartas para uma tia que mora longe podem ser tão importantes a ponto de definir o futuro de uma pessoa. Com a prática, descobri que conseguia me expressar muito melhor por escrito, era minha forma de lidar com os acontecimentos, com os sentimentos, de entender o que acontecia dentro de mim, de me conhecer melhor. Bem mais tarde, quis usar essa minha habilidade para algo maior do que o meu umbigo e hoje finalmente faço o que gosto, do jeito que eu gosto, ajudando os outros. Projetos importantes e possibilidades infinitas se abrem à minha frente, coisas que só acontecem no mundo da imaginação, que é o mundo da fé. Esses projetos e possibilidades vão se materializando e construindo algo que é muito maior do que eu jamais poderia criar para mim, algo escrito pelo maior (e melhor) Escritor de todos os tempos.

Sou grata por aquele diário que minha irmã escondia como se fosse um tesouro. Gravou em mim a mensagem de que escrever era algo extremamente precioso, que merecia ser protegido e tratado com carinho e respeito. Quando eu revirava as roupas no armário em busca do diário, não queria conhecer os segredos da Claudia, queria apenas descobrir o que tinha de tão precioso, de tão fantástico naquele caderno trancado. Era um mundo novo. Era o meu futuro. Era a minha vida e tudo de bom que ela me traria vinte anos depois. Suficientemente precioso para ser tratado com toda aquela reverência.

PS: Talvez agora a Claudia entenda a razão do meu horror quando ela decidiu queimar seu diário, alguns anos depois. Pelo menos salvou a capa, que usei para guardar o Diary. Total falta de senso histórico da pessoa.

PS2: Lembrei também de minha mãe tinha guardado um registro escrito à máquina, de uma conversa minha com meu irmão, aos dois anos de idade. A linguagem enrolada foi transcrita exatamente da maneira que eu falava e aquele era um dos únicos registros da minha primeira infância, algo muito especial para mim e que me mostrou a importância de registrar as coisas por escrito e do quanto escrever era necessário.

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