Mês: agosto 2012

Eu deveria estar morto

“Eu deveria estar morto” (“Shoulda been dead”, Editora Unipro), é um relato da impressionante história de Damien Jackson, escrita por Dave Jackson (que não, não é parente dele…rs…). A história de Damien é o eco da vida de muitos jovens atualmente, perdidos, desprezados pelos pais, marginalizados pela sociedade. Damien entra cedo nas drogas, no álcool e na criminalidade, a raiva que carrega dentro de si o implode e explode nas brigas entre gangues.

A maior qualidade deste livro é que pode ser usado como meio de identificação para alcançar aquele jovem mergulhado nas drogas e na criminalidade e que não vê saída. Ao ler a história de Damien, o pensamento é: “Se houve saída para ele, há esperança para mim”. Além disso, serve como um alerta para aqueles que ainda não desceram tão fundo. É o relato de um rapaz que não tinha perspectiva nenhuma de vida,  e que encontra na fé a força necessária para acreditar em si mesmo e alcançar a libertação e transformação.

Apesar de ele encontrar essa força na fé, “Eu deveria estar morto” não é um livro religioso (é até capaz de agradar mais aos não religiosos do que aos religiosos), é um relato cru do dia a dia das ruas, da falta de esperança, daqueles que se arrastam pela escuridão esperando um outro dia inútil após o dia inútil em que viveram, sem esperança, com apenas uma vaga chama de possibilidade, muito vaga, muito pequena, mas que pode guiá-los para o fim do túnel.

90% do livro é a história de Damien e seus pensamentos, a bagunça que estava a sua vida e sua mente. Em um determinado momento você vê que acabaram-se os atalhos. Ou Damien morria, ou se decidia pela vida. E o vê sair do escuro.

É uma história de superação, de vitória, de fé, acima de tudo. Capaz de abrir os olhos daqueles para quem a sociedade permanece de olhos fechados.

Vanessa Lampert

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PS: Uma coisa é muito importante: quando eu falo em “livros que você deveria comprar para doar a quem estiver precisando”, subentende-se que você já tenha comprado um para você ler. É importante ler para ajudar àquelas pessoas a quem você doar os livros. Até porque poderá conversar melhor com elas a respeito. E também sempre tem algo que você possa aprender com a leitura que fizer. :-)Portanto, nada de preguiça! Se você tem preguicite aguda na hora da leitura, veja o texto Como vencer a preguiça de ler.

Aprendendo a dar e a receber

Gift

Nossa sociedade é estranha. Te ensina que dar é coisa de gente boba e que receber é coisa de aproveitadores. Logo, você se sente compelido a reter o que é seu e a dizer não sempre que alguém tenta te oferecer algo realmente significativo (a menos que você queira se aproveitar da pessoa, aí está socialmente liberado para dizer sim). Muitas vezes fazemos isso até com Deus. Achamos que Ele não pode pedir nada da gente, nem nossa atenção, nem nosso tempo, nem nossos pedidos. Nos sentimos aproveitadores ao pedir algo e ao imaginar que temos algum direito que Ele diz que temos quando cumprimos suas condições. Também achamos que é normal não receber respostas (e não deixa de ser, já que nossos pedidos costumam chegar a Ele cheios de dúvidas e pedidos de desculpas), paradoxalmente, muitos se rebelam por não receber sem dar, como se fosse natural colher algo que não se plantou.

Antigamente não era assim. Presentear alguém era sinal de consideração e dizer não a um presente era falta de educação. Eu gosto de receber presentes, mas gosto muito mais de presentear. Quando falo em “presentear” não incluo apenas bens materiais (também, é claro), mas outras coisas que me são caras: tempo, atenção, esforço, carinho…

Acreditando que tudo é uma relação entre bobos e aproveitadores, as pessoas se agarram a tudo o que têm, pois não querem ser vistas como tolas. Assim, os seres humanos se isolam, não reconhecem mais o amor desinteressado e vivem inseguros, acreditando que não têm valor em si mesmos.

Construímos uma sociedade cínica, de relacionamentos superficiais e raciocínio raso, onde o que se vê vale mais do que o que não se vê e onde as pessoas são definidas por aquilo que têm e de que não abrem mão. Ainda é bem visto quem doa bens materiais e tempo aos menos favorecidos, desde que isso seja feito com bastante alarde, em público, o que geralmente não é fruto de uma vontade legítima de ajudar. A pessoa doa grandes somas em público a uma instituição (de preferência bem conhecida), mas nega um prato de comida a quem lhe pede longe dos holofotes.

O conceito de dar e receber foi deturpado. Tente dar algo a alguém e logo receberá um “não, não precisa, imagina, que absurdo!”, isso quando ela não te olha como se você tivesse oferecido uma noite de tortura em uma masmorra medieval.  Em Porto Alegre isso era especialmente irritante. Eu tinha que insistir para fazer algo que eu realmente queria só pelo hediondo fato de que beneficiaria a outra pessoa.

Em contrapartida, em Campo Grande, cidade em que nasci e onde vivi por 23 anos, convivi com pessoas que tinham o comportamento distorcido para o outro lado. Você oferecia uma mão, pegavam as duas mãos, os braços e os ombros. Era um comportamento predatório, que se sentia no direito de aceitar o que você não ofereceu.

Os dois extremos não são saudáveis e só existem porque a sociedade perdeu a clareza no conceito de dar e receber. Receber é bom, não te faz um ladrão (desde que receba apenas o que o outro quis voluntariamente dar), nem aproveitador. Dar é melhor ainda! Não te faz um idiota, na verdade, sempre foi a marca das almas mais nobres. Pessoas que dedicaram suas vidas a uma causa se doaram ao extremo e entraram para a história.

Dar não é ruim. Sacrificar um comportamento pelo bem de uma pessoa especial, é prova de maturidade.  Quando alguém abre mão de algo por você, sua reação deveria ser “puxa, que legal! Eu sou realmente especial para essa pessoa, e ela é ainda mais especial por me ver assim” e agradecer, com um sorriso no rosto.

Às vezes (isso acontecia muito em Porto Alegre, então acredito que seja um problema cultural) a pessoa acha que você está oferecendo determinada coisa esperando que ela não aceite, em uma coreografia ensaiada milhões de vezes e que ninguém se preocupou em me ensinar. As crianças são orientadas, equivocadamente, que aceitar o que lhe oferecem é falta de educação, já que o outro provavelmente está oferecendo “apenas por educação”.

Oferecer algo por educação é um conceito estranho para mim. Se você oferece algo que não tem intenção de dar:

1 – Você está mentindo e enganando a outra pessoa.

2 – Você está criando uma encrenca para si mesmo, já que sempre existe a possibilidade do outro aceitar e você ter de dar o que prometeu.

3 – Levando em consideração as duas implicações acima, essa seria uma atitude totalmente desprovida de educação!

Alguém realmente faz isso? Não ofereça nada por “educação”. Isso não é educado. O ser desprezível capaz de conscientemente oferecer algo sem intenção concreta de dar não deveria merecer nossa consideração, sinceramente. Toda vez que alguém rejeita algo que eu ofereço e deixa claro que acha que eu ofereci apenas por educação, me ofende. Eu sei que a pessoa que rejeita acha que está sendo educada, mas isso me parece um relacionamento entre loucos. Que educação é essa que faz uma pessoa oferecer sem intenção de dar e a outra, rejeitar sem intenção de ofender?

Em meu mundo, as pessoas oferecem o que querem dar e rejeitam o que desprezam. Isso me parece lógico. Se eu quero dar e ofereço, sou rotulada de boba, mas se eu não quero dar e ofereço, o mundo me vê como educada. Que tipo de raciocínio é esse?

Não dá para encontrar um equilíbrio? Respeitar as pessoas de modo a aceitar o que oferecem, oferecer apenas o que deseja dar, pegar apenas o que lhe for oferecido e acreditar na palavra do outro? Respeitar aquele que recebe e aquele que dá, aquele que pede e o que dá voluntariamente, sem chamar – direta ou indiretamente – um de ladrão e o outro de idiota?

Quarta-feira eu estava na igreja, lendo um livro enquanto esperava a reunião começar, quando a moça que estava ao meu lado disse, sorrindo timidamente:

– Um dia você me deu um livro…

Ao olhar para ela, eu me lembrei. Eu havia doado um exemplar do “A Mulher V” para ela em uma reunião de domingo.  Não me lembrava! Mas ela me disse que nunca se esqueceu e que sempre que me vê na igreja, se recorda do presente. Quem dá muitas vezes se esquece, pois abriu mão voluntariamente, mas quem recebe, jamais se esquece. Por isso a Bíblia sabiamente diz “Mais bem aventurado é dar do que receber” (Atos 20:35)

Resgatar a nobreza e pureza desse belo gesto é um bom antídoto contra o egoísmo e o cinismo do mundo contemporâneo.

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