Mês: janeiro 2014

O complexo de incômodo

hedgehogMuitas pessoas têm esse tipo de problema. Sempre acham que estão incomodando ou que serão mal interpretadas. O medo do julgamento alheio pode fazer com que você não queira se arriscar, não queira fazer nada fora da zona de segurança, a terrível zona de conforto. Terrível porque ela nos engessa, nos congela e não permite evolução e desenvolvimento. Em outras palavras, você vira uma múmia trancada em um museu.

O engraçado é que isso dificilmente acontece com aqueles que criticam. Esses são cara-de-pau. Falam as maiores barbaridades, desrespeitam e não se incomodam com isso. No entanto, eu recebo muitos e-mails e mensagens (muitos mesmos) de pessoas falando coisas muito legais e quando eu respondo (geralmente um tempo considerável depois, por causa do trabalho), elas comentam que acharam que eu não tinha gostado, que tinham me incomodado e que por isso eu não havia respondido. Não pensem isso, pessoas! Todos os seres humanos gostam de ouvir coisas boas.

Não faz muito sentido evitar falar coisas boas para as pessoas por medo de ser mal interpretado. Se vão achar você exagerado ou se alguém vai te achar puxa-saco, amigo, o problema é de quem olhar você com maus olhos, não é, não? É claro, a gente não vai expor a outra pessoa ou incomodá-la, mas também não pode achar que qualquer interação da sua parte é um incômodo! Eu tinha esse problema (e ainda tenho que lutar contra ele vez ou outra) de achar que estava incomodando o tempo todo. Se eu telefonar, estou incomodando. Se mandar um e-mail, estou incomodando; se aceitar um convite, estou incomodando (e no auge da minha insegurança, eu chegava ao cúmulo de pensar que a pessoa estava me convidando por educação!); se citar a pessoa em algum lugar, estou incomodando. Se eu falar, estou incomodando. Se eu não falar, estou incomodando. Não há saída. Você se transforma em um incômodo ambulante e, na insegurança que o faz ser artificial, acaba realmente incomodando.

Então decidi me livrar desse complexo de incômodo, que, na verdade, é uma insegurança. Eu não faço nada por mera educação. Se aceito algo, é porque quero aceitar. Se convido, é porque quero convidar. Se ofereço, é porque quero oferecer. Procuro não evitar falar coisas positivas e ajudar às pessoas. Procuro não antecipar a reação dos outros. “O que o fulano vai pensar, o que vai achar, etc.” Faço com sinceridade, para ajudar, para fazer o bem. O que a pessoa vai achar, não é da minha alçada. E procuro acreditar nos outros. Se a pessoa diz que quer que eu vá, eu tenho que acreditar que ela realmente quer. Se a pessoa me oferece alguma coisa, eu tenho que acreditar que ela quer dar.

Porque, pense bem, se você acha que a pessoa vai pensar mal de você, é você quem está pensando mal da pessoa. Você está olhando os outros com maus olhos. Está achando que a pessoa é falsa, porque ela fala uma coisa na sua frente e você acha que ela pensa outra coisa pelas costas! Uma coisa que você nunca vai conseguir é ler os pensamentos dos outros. Nunca, nunca, nunca. Então, por favor, pare de tentar. A sua obrigação é olhar todo mundo com bons olhos, pensar o melhor dos outros, assim como você gostaria que os outros pensassem o melhor de você. Ter com os outros o mesmo olhar misericordioso e benevolente que você gostaria de receber. É assim que eu penso. Se as pessoas não forem tão boas assim, não sou eu que tenho que definir previamente.

É uma guerra. É uma luta contra os nossos próprios pensamentos, uma guerra que acontece dentro da nossa cabeça, e que a gente tem todas as condições de vencer. Outro problema é que costumamos desenvolver hábitos em cima dos complexos e das inseguranças. Como, por exemplo, não tomar a iniciativa de mandar um e-mail para alguém, ou esperar que a outra pessoa entre em contato primeiro. Então, mesmo depois de ter vencido os seus pensamentos, o próximo passo é monitorar seus hábitos para ver o que você adquiriu porque faz parte de você e o que você adquiriu por insegurança, mas que gostaria de remover de sua vida.

Uma coisa que eu acho que vale a pena treinar é o hábito de tomar a iniciativa de dizer coisas boas e sinceras quando você tem coisas boas e sinceras para falar. As pessoas ouvem tantas coisas negativas no dia a dia, que você não deveria se envergonhar de dar um sorriso e fazer um comentário agradável quando tiver oportunidade. Não tenha medo do que vão pensar ou falar de você. Seja com os outros a pessoa com quem você gostaria de conviver. Sempre vai ter quem não goste de você, isso é normal, faz parte do pacote. Mas se agir assim, você vai fazer bem a muitas pessoas e ainda será muito mais feliz. 🙂

 

 

PS: Por alguma razão, esse post foi publicado ontem sem estar ainda pronto. Estava nos rascunhos, incompleto e esquisito e hoje descobri que havia sido publicado e o completei. Peço desculpas a quem recebeu notificação de novo post e esperava um novo post. Realmente não entendi e espero que não aconteça novamente, pois tenho uma porção de rascunhos no wordpress, de anotações que eu penso que podem render um texto bacana. Se todas elas fossem publicadas do jeito que estão, certamente seria muito esquisito.

Anotação misteriosa

Encontrei esse texto de 2007, da minha coluna na falecida Revista Paradoxo.

 

Anotação misteriosa
O tempo apaga tudo
por Vanessa Lampert de Porto Alegre[17/01/2007]

Em visita à casa da minha avó, descobri uma velha caderneta de anotações, aparentemente pertencente a uma das minhas tias, embora contenha a letra de uma porção de gente. Uma única data: 13 de maio de 1973, cabeçalho de um texto que nunca foi escrito.Um imenso número de folhas vazias e, lá pelo meio, rabiscos de crianças, desenhos de adultos, números de telefone e algumas anotações esparsas. Uma delas me chamou a atenção. Era uma carta, de alguém para alguém, sem assinatura, sem data, sem muitas pistas. Minha mãe não reconheceu a letra, nem grande parte dos nomes, e a história permanece uma incógnita, a amarelar-se pelo tempo. Transcrevo aqui, para relatar meu espanto.

“André avisou-me que Tuco quer nos colocar longe da Geida. Pedrinho acha que ‘eu’ influencio Geida ao desquite. Tuco já pediu que eu afastasse aos poucos e falasse para você fazer o mesmo, que ele acha que Geida, ficando só, volta para ele. Isto é ‘tara’, o homem é perigoso. Eu acho que no caso nós não devemos nos afastar de maneira nenhuma, pois ela fará uma loucura. Mas o perigo é que ele pode nos prejudicar de algum modo, não é? Já pensei nisso, pressinto algo bem horrível, já pensei até que ele poderá falar com meus pais, estou desesperada. Geida não quer que a deixemos em hipótese alguma, chorou e se agarrou a mim, ela prefere que Tuco a mate. Ela está querendo viajar agora! 

Suely…e agora, o que vamos fazer? Tenho medo dele. Vamos pedir a Deus que nos ajude. Vamos falar com o Felix, também, sei lá… nem sei o que penso. Ele no desespero que está é capaz até de matar. Geida está me esperando lá fora, por favor, depois do culto vá à casa dela, ela fica desesperada só em pensar que você pode se afastar.
Tchau e até lá”.

Suely pode ser uma das primas de minha mãe, o Pedrinho, talvez, o tio dela, a dona da carta provavelmente seja minha tia, e o Felix era tio da minha avó. Apenas essas pistas. Não sei quem é Geida e Tuco e nenhuma desgraça houve na família com essas pessoas. Um problema enorme, que torturava a remetente da carta, desesperava a pobre Geida, perseguida pelo ex-marido, e ameaçava uma série de vidas, hoje não é nada.

A vida passa rápido. O que na época era uma desgraça assustadora, hoje é apenas uma anotação misteriosa em uma folha amarela cheirando a barata. Sem assinatura, sem data, sem continuidade, um problema esvaziado pelo tempo. Trinta anos passaram depressa, carregando o que encontraram pelo caminho, sem medo, sem pena. O tempo apaga, muda o sentido, altera a importância.

Olhei para a minha vida, para meus problemas enormes e insolúveis, para minhas cartas desesperadas a um destinatário mudo qualquer e achei graça. Vi meus dramas reduzidos a anotações sem importância, apagando-se pelos dias, histórias que a história despreza. Não vale a pena agarrar-se a coisas tão pequenas, enquanto o tempo continua passando, a amarelar nossas folhas vazias. Nosso tempo, por mais longo que seja, é curto demais para que o gastemos à toa. O bilhete que Suely nunca recebeu me lembra de que devo levar a vida de forma mais leve, porque tudo, absolutamente tudo, passa.

Graças a Deus.