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Todos os grupos têm uma linguagem própria. Advogados têm seus jargões jurídicos, médicos têm seus jargões, funkeiros têm seus jargões, adolescentes têm seus jargões…não importa o tipo de grupo. A linguagem ajuda a unificar internamente e a diferenciar externamente. Provavelmente por isso temos no meio evangélico uma série de jargões e uma linguagem própria tão peculiar que eu chamo de evangeliquês. Em algumas igrejas, é quase um dialeto à parte.

Os problemas disso são infinitos. Eu mal conseguiria começar a listar. O principal deles, porém, é que falar evangeliquês vai contra um dos principais mandamentos do cristianismo, que é espalhar o Evangelho. Como você vai espalhar o evangelho adequadamente usando uma ferramenta que serve principalmente para fechar o grupo em um gueto e afastá-lo das pessoas de fora? E nem é por mal. Chega um momento em que você está tão envolvido com as atividades da igreja que começa a falar lá fora do mesmo jeito que fala no meio do seu grupo. É natural.

Há uma linguagem dentro da igreja que é perfeitamente compreendida pelo público interno. Mas ao estender isso para quem não está na mesma vibe que você, surge o choque cultural. Você começa a ser mal compreendido. As pessoas já não entendem mais suas palavras. Elas já o acham ET por ir tanto a uma igreja. Agora começam a achá-lo ET por estar falando coisas sem sentido (na cabeça delas).

Absurdamente, muitos cristãos não são perseguidos na família ou no trabalho por seu comportamento correto, mas, sim, por seu linguajar esquisito. Parecem, aos olhos dos outros, fanáticos. Principalmente quando, além das palavras esquisitas, começam a falar de assuntos que ninguém de fora entende (e nem quer entender).

O marido (não cristão) fala alguma coisa negativa para a esposa cristã e ela já responde com um: “Tá amarrado, em nome de Jesus!”. Ou fica falando “Deus isso”, “Deus aquilo” em momentos totalmente fora do contexto. Quanto mais ouvimos uma palavra, menos atenção damos a ela. Não gaste o nome “Jesus” ou a palavra “Deus” à toa, por favor.

Temos que ter equilíbrio e entender que a vida cristã começa de dentro para fora. Não é pelo muito falar que você irá converter alguém. Não precisa falar de igreja o tempo todo, não precisa dizer “ungido”, “aleluia” e “glória a Deus” o tempo inteiro para provar que é de Deus. Nem chamar os outros de “perturbados”, “pervertidos” etc. Devemos nos diferenciar pelo nosso comportamento, pelo nosso caráter.

Somos ETs pela nossa maneira de pensar, porque nossos valores são diferentes, porque nossa visão de mundo é outra, não porque falamos esquisito e nos vestimos com sacos de batata. Nossa linguagem deve ser limpa, sem a pobreza de palavrões, mas também sem o evangeliquês, que também empobrece o discurso.

E não são apenas os exemplos extremos, como “aleluia” e “tá amarrado”, mas também os termos que usamos no dia a dia. Se eu disser para alguém de fora da igreja que fulano é “muito de Deus”, o que você acha que essa pessoa vai entender? Talvez entenda o que eu quero dizer, mas talvez não entenda. De qualquer forma, meu linguajar vai causar estranhamento o que, por si só, prejudica a comunicação.

Tente descrever o que é alguém “muito de Deus”. O que você quer dizer com isso? Que tipo de pessoa você está descrevendo? Pense um pouquinho mais e traduza seu pensamento em palavras que a pessoa esteja habituada a ouvir, para que ela entenda sem restrições e com o mínimo possível de barreiras.

O próprio apóstolo Paulo se esforçava para adequar seu discurso aos ouvintes. Ele não poderia falar como judeu para os não judeus, porque quando a linguagem que você usa para falar é diferente da linguagem que seu interlocutor está habituado a ouvir, você cria um ruído que corta o canal de comunicação:

“E fiz-me como judeu para os judeus, para ganhar os judeus; para os que estão debaixo da lei, como se estivesse debaixo da lei, para ganhar os que estão debaixo da lei.
Para os que estão sem lei, como se estivesse sem lei (não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo), para ganhar os que estão sem lei.
Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns.
E eu faço isto por causa do evangelho, para ser também participante dele.”
1 Coríntios 9:20-23

E outra coisa, você ganha a atenção das pessoas muito mais por suas atitudes e pelas coisas boas que tem dentro de você do que por qualquer discurso. Todos nós já conhecemos pessoas que se diziam cristãs, mas tinham mágoa, eram maldosas, desonestas ou descontroladas. Isso porque eram fluentes em evangeliquês e viviam dentro de uma igreja, mas não se preocuparam com o seu interior. Então, se quiser ajudar alguém, é exatamente nisso que deve focar: no tipo de pessoa que você quer ser.

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