Mês: janeiro 2017

Sobre curiosidade

curiosity

A Cris Cardoso escreveu ontem sobre o mau uso da curiosidade (clique para ler, mas não esqueça de voltar aqui rs). Eu estava escrevendo um comentário lá, mas ficou tão grande que achei melhor transformar em post (aí fica pequeno rsrs). O comentário da Patricia Lages completou bem o post da Cris. Ela escreveu:

A curiosidade deveria ser usada para obter um conhecimento que está oculto, para aprender algo novo todo dia, um outro idioma ou como as coisas funcionam. Mas a curiosidade tem sido mais usada para o mal do que para o bem, infelizmente…”
Isso acontece porque as pessoas fazem as coisas sem pensar. O problema não é a curiosidade, em si. O problema é o tipo de curiosidade que se alimenta. Como a Patricia explicou, a curiosidade bem direcionada é muito útil. Para aprender um idioma, como as coisas funcionam ou descobrir a verdade por trás de uma notícia lida na internet… Sempre fui muito curiosa, por isso fui para o jornalismo. (Apesar de grande parte dos jornalistas brasileiros de hoje não terem espírito investigativo nenhum e se contentarem em copiar e colar notas que recebem, diz a lenda que espírito investigativo é um dos pré-requisitos para ser um bom profissional.)

Segundo o dicionário Michaelis Online, “curiosidade” pode ter esses significados:

1 Qualidade ou característica daquele ou daquilo que é curioso.
2 Desejo forte de ver, conhecer ou desvendar alguma coisa.
3 Desejo de aprender ou adquirir conhecimentos.
4 PEJ Desejo incontrolável de saber fatos particulares da vida dos outros; bisbilhotice, indiscrição.
5 FIG Objeto raro ou original; raridade.
6 Trabalho amadorístico, sem cunho profissional; diletantismo.
7 Informação que revela algo interessante e surpreendente.

Os significados 2 e 3 são necessários quando aplicados em coisas úteis, boas, de boa fama, justas, etc. Mas aí é a curiosidade da pessoa que tem noção e não da sem-noção. Desejo forte de conhecer outro homem que não aquele com quem você vai ficar a vida inteira, por exemplo, é uma idiotice sem tamanho. Desejo de aprender ou adquirir conhecimentos que prejudiquem a fé e coloquem a salvação em risco (como, por exemplo, “misturar vinhos” ou mesmo olhar sites de fofoca) é uma das coisas mais inúteis que alguém pode alimentar. Nessa época de excesso de informação, quem se destaca é aquele que melhor consegue SELECIONAR as informações que consome. Não o que sai consumindo tudo o que vê pela frente.

Vejo gente que confunde indiscrição ou mesmo curiosidade destrutiva com curiosidade positiva. Mas a verdade é que quando a gente usa uma, não usa outra. Se minha atenção está focada em aprender coisas úteis, não vou ter tempo de bisbilhotar a vida alheia. Se minha atenção estiver voltada para desvendar algum mistério sobre quais os melhores sinônimos para usar em uma edição de texto (às vezes é um mistério hahaha), não vou ter tempo de ter interesse em alguma coisa inútil desconhecida.

Entenda uma coisa: você tem uma quantidade LIMITADA de tempo. Cabe a você a decisão de como vai investir esse tempo. Não o desperdice. Faça uma escolha inteligente e aplique seu espírito a algo realmente útil. Aí, sim, sua vida vai andar.

Sobre Zygmunt Bauman

Excelente descrição dos tempos atuais...
Excelente descrição dos tempos atuais…

Comentei com uma amiga esses dias que ver as entrevistas do Zygmunt Bauman  era como conversar com um avô que não tenho. Tínhamos muitas opiniões parecidas (não todas, obviamente) e descobri o trabalho dele numa época em que eu já reclamava das coisas líquidas e do mundo que se liquefazia ao meu redor. Zygmunt Bauman se destacava pela análise lúcida dos tempos esquisitos que vivemos e que ele chamava de “modernidade líquida”, uma época em que praticamente tudo perdeu a solidez. Era uma voz pensante, vinda de uma era em que as relações humanas realmente tinham valor e os princípios eram sólidos.

Sempre achei o máximo o fato de ele ter intensificado a produção depois de idoso. A época em que mais contribuiu com a sociedade foi justamente a fase em que muitos acham que são inúteis e tiram o time de campo. Tinha uma lucidez admirável. Pensei muito nele semana passada e, como sempre faço quando me lembro de alguém, orei por ele. Soube que faleceu hoje (felizmente pude orar por Ele a tempo. Tenho certeza de que não foi em vão). 

Bauman tinha 91 anos.

Gosto de estudar História da Humanidade e ler sobre reinos, eras e como se vivia no passado. Quando se acostuma a contar o tempo em séculos e milênios, se percebe que, não importa quantas décadas uma pessoa viva, passa muito depressa. Por isso, é importante fazermos as escolhas certas enquanto estamos aqui, para garantir o que realmente importa.

Para quem não o conhecia, segue duas entrevistas em texto muito interessantes:

Ao La Vanguardia: Clique aqui para ler em português. (Leitor de fala espanhola, clique aqui para acessar o texto original )

Ao El País (em português): Clique aqui para ler.

Alguns trechos:

Estamos em um estado de interregno, entre uma etapa em que tínhamos certezas e outra em que a velha forma de atuar já não funciona. Não sabemos o que vai a substituir isso. As certezas foram abolidas.”

[…]

Muita gente usa as redes sociais não para unir, não para ampliar seus horizontes, mas ao contrário, para se fechar no que eu chamo de zonas de conforto, onde o único som que escutam é o eco de suas próprias vozes, onde o único que veem são os reflexos de suas próprias caras. As redes são muito úteis, oferecem serviços muito prazerosos, mas são uma armadilha.”

[…]

“felicidade é o gozo que dá ter superado os momentos de infelicidade. Ter conseguido transformar teus conflitos, porque, sem conflitos, as nossas vidas, a minha vida, teriam sido uma verdadeira chatice.”

E para que você entenda minha sensação de conversar com um avô, segue uma entrevista dele em vídeo.

https://www.youtube.com/watch?v=1miAVUQhdwM

É claro, como pensador deste mundo, a visão de Bauman era incompleta. Quem procurar verdade e o sentido real das coisas nos pensamentos humanos vai fazer com que sua cabeça vire patê. O mundo perdeu Zygmunt Bauman, porque ele era uma das coisas que o mundo tinha de melhor. Mas qualquer pensamento humano vem repleto de lacunas. Por isso, sempre vi Bauman como o avô que falava sobre seu tempo e sobre sua forma de ver o mundo. De maneira nenhuma o via como um mestre ou alguém que aponta o caminho. Ele mesmo nunca se colocou nessa posição. Estava ali para pensar, analisar e avaliar com base no que conheceu. Sob esse aspecto, acredito que existem coisas interessantes em sua análise da pós-modernidade, mas preencho suas lacunas com o Conhecimento Completo a que temos acesso. E é por isso que leio suas previsões políticas e só consigo pensar no apocalipse, no governo mundial (e na sociedade que tem se tornado fria, distante e emburrecida para aceitar o que vem por aí)… Cada um interpreta a leitura com a bagagem que traz consigo, não é mesmo?

 

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PS: A propósito, eu sei exatamente o que vem depois desse estado de interregno, amigo. Mas melhor do que explicar meu ponto de vista é terminar o livro que estou escrevendo nas horas vagas. Assim conseguirei mostrar o que penso (mostrar é muito melhor do que simplesmente contar). Por enquanto, basta dizer que eu leio tudo com olhos de apocalipse rs. 

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PS2: Por falar em gente mais velha, sempre amei conversar com pessoas mais velhas. Entendia que poderia absorver o conhecimento delas e aprender com suas histórias de vida e visão de mundo. Evitei muitos erros assim, aprendendo com o que os mais velhos me contavam. Pessoalmente ou à distância, não perca a oportunidade. Se você ainda tem avô ou avó, aproveite para ouvi-los. Ainda que seus pais já tenham lhe contado as mesmas histórias, peça para ouvir a versão de seus avós. Ouça o que eles pensam, mesmo que, de início, não entenda ou não concorde. Se não tem avós, aproveite os avós dos outros, seus pais, seus tios, seu pastor ou amigos mais velhos. Cada pessoa é um universo e quanto mais tempo vive, mais expandido e rico é esse universo.

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