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Identificando a voz do gremlin — Parte 4

Outra característica forte de pensamentos gremlinianos é a presença de termos definitivos e generalizações, como: sempre, nunca, ninguém etc. — As coisas na vida real dificilmente podem ser generalizadas ou definitivas. Acho que definitivo, só a morte e, mesmo assim, não é tão definitiva, já que a vida continua depois dela.

Essa, aliás, é uma das características mais comuns e é o que leva muitas pessoas a tomarem decisões definitivas (como o suicídio) na tentativa de solucionar um problema. O pensamento errado as leva a ignorar o fato de que todo problema é temporário. Elas veem tudo como extremo e…dramático. Sim, porque não tem nada mais dramático do que algo definitivo. “Eu NUNCA vou ser feliz.” “Eu NUNCA vou conseguir isso.” “Eu NUNCA vou mudar.” “As pessoas SEMPRE me acham ridícula.”

Encontrei um bom exemplo disso em um dos meus diários antigos, de 1999 (eu tinha 19 anos e o problema não era adolescência, era depressão, que, com altos e baixos, me acompanhou até 2009). Sente o drama:

“Estou exausta, de saco cheio de TUDO e de TODOS, não aguento mais os mesmos problemas, as mesmas conversas, os mesmos dilemas. Eu não aguento mais esse NADA COMPLETO. Será que eu NUNCA me recuperarei? Será que NUNCA reconstruirei? NADA será como antes. Eu NUNCA serei como antes. O que eu esperava que fosse? Sinceramente, eu confesso que não esperava NADA, nem de antes, nem de agora (muito menos).”

Praticamente um texto psicografado por gremlin. Às três horas da manhã, em uma das muitas madrugadas que eu passava em claro pensando abobrinha (conversando com gremlins). Puro sentimento burro. Se houvesse mediação de raciocínio lógico aí, perceberia que nenhuma dessas generalizações era correta.

Por exemplo, se você fosse fazer uma lista de TODAS as coisas e pessoas que existiam na minha vida, eu provavelmente estaria de saco cheio de 10% delas, no máximo. E por razões que diziam mais respeito a mim do que a elas. Mas, sem pensar, eu realmente sentia que era algo que poderia generalizar. Eu sentia como se estivesse cansada de TUDO, mas não estava realmente cansada de TUDO.

E quanto ao “eu confesso que não esperava NADA, nem de antes, nem de agora”, obviamente eu esperava alguma coisa de antes e do momento em que escrevia isso, caso contrário não me sentiria frustrada. Se você espera NADA, não se frustra ao encontrar o que esperava rs. Por fim, eu sentia que nunca seria feliz, sentia um vazio (o “completo nada” que menciono no diário) e de tanto repetir essas palavras definitivas, sentia que era algo impossível de mudar. 

Sim, porque há um segredo nessa repetição de nadas, nuncas, tudos e sempres. A repetição de palavras generalistas e definitivas é uma forma do gremlin nos hipnotizar com a sensação de que nunca conseguiremos nada. Não importa se faz sentido ou não, só o que importa é a sensação que nos traz. É com isso que ele trabalha e é nisso que nos enrola.

Uma coisa que você deve saber a respeito de textos escritos, falados ou pensados: cada palavra importa. Em seus textos, preste atenção a cada palavra. Você realmente está dizendo o que quer dizer? O que está dizendo é realmente verdade? Realmente tem lógica? Será que esse NADA quer dizer NADA, mesmo? Nem uma coisinha? Se eu me perguntasse: “como assim ‘não aguento esse nada completo’? Será que minha vida realmente tem sido um nada completo?” Seria obrigada a admitir que existiam algumas coisas boas, que eu simplesmente desconsiderava.

Aprenda outra coisa: generalizações empobrecem o discurso. Você poderia focar dez coisas específicas, mas generaliza em uma só. Teríamos um texto bem mais rico se eu descrevesse as coisas boas que estavam acontecendo na minha vida, as coisas legais e as possibilidades para resolver aquilo que me incomodava (se eu conseguisse pelo menos descrever quais sentimentos exatos estavam me incomodando) — ou lidar melhor com o que eu não poderia mudar. Mas não havia espaço para isso, somente para reclamações e frases de efeito sem lógica, que só serviam para alimentar sensações e sentimentos.

É claro, eu sei que quanto mais longe estamos de Deus, mais insatisfeitos ficamos com TUDO à nossa volta. Mas o contrário também é verdade. Quanto mais aprendemos a valorizar o que temos, quanto mais focamos naquilo de bom que temos, quanto mais observamos o que é bom e menos foco colocamos no mal, mais conseguimos nos aproximar dEle.

Eu me lembrei de algo que li no Casamento Blindado, capítulo 20. É a ferramenta número 3, que deve ser aplicada no casamento, mas também vale para seu relacionamento consigo mesmo. Já disse que tudo o que se propõe a ajudar no casamento (Casamento Blindado, The Love School, Terapia do Amor etc.) também pode ser aplicado ao nosso relacionamento conosco. Vou colar aqui um trechinho dessa ferramenta, que pode ajudar a quem está nesse processo de reconstrução da mente:

3. Não generalize 

Não importa como você completaria essas frases: “você nunca…” ou “você sempre…”. Ambas causarão problemas. Não use o pincel de uma situação para pintar todo o caráter do seu companheiro. “Você sempre faz o que quer, nunca o que eu quero”, “você nunca me ouve”. Esse tipo de afirmação raramente é verdadeira, e só serve para aborrecer seu companheiro.  Lide com as situações individualmente e resista à tentação de relacionar o problema atual a um problema passado. Cuidado com as palavras nunca, sempre, nada, tudo e toda vez. São palavras absolutas e não deixam opção. Evite-as. […]”

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Parte 1: Tudo eu

Parte 2: Pensamentos gerados por sentimentos.
Parte 3: Adjetivitis negativus aguda

Parte 4: Não generalize

Parte 5: Pensamento de futuro catastrófico

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*Para quem está chegando agora: “gremlin” é como chamo os monstrinhos invisíveis que imagino sentados em nossos ombros sugerindo pensamentos negativos. Eu os imagino com aquela cara dos monstrinhos do filme Gremlins, principalmente para não querer um troço desses no meu ombro.