Série de posts, escrita em 2007, que desapareceu com a hecatombe sofrida por minha antiga coluna na Revista Paradoxo e que ressuscita aqui, para apreciação da posteridade.

Aprendendo a dirigir V

O império contra-ataca

por Vanessa Lampert
de Porto Alegre
[01/06/2007]

Meu teste prático estava marcado para o dia 30. Cheguei no horário, peguei a etiqueta e meu histórico do Detran, para provar que meu nome está abreviado no Sistema (se o seu não estiver, não se preocupe com isso. Se estiver, leia atentamente esta crônica). O exame estava marcado para as 15h no Intercap, onde foi meu exame anterior, existem mais uns dois lugares onde os testes podem ser aplicados, escolhidos uns dois dias antes por sorteio. São todos bem parecidos: uma pracinha mal cuidada, cercada por ruazinhas estreitas e igualmente mal cuidadas (geralmente de mão dupla), com paralelepípedos irritantes.

Havia outra auto-escola terminando seus exames, a nossa levou seus cinco carros e cerca de 48 alunos (segundo informações extra-oficiais) que, como eu, marcaram o exame com bastante antecedência. Para nossa surpresa, havia apenas três examinadores para avaliar os testes, um deles parecia legal e nos fez uma preleção sobre a importância de mantermos o emocional sob controle, porque “quem reprova o aluno é o próprio aluno, não o examinador” e porque “o exame é simples e só é cobrado o que vocês já sabem fazer”, deixou bem claro também que eles não estavam ali para prejudicar ninguém, que eram nossos amigos e só faltou pedir para que nós os levássemos ao nosso líder.

O exame só começou às 16h30, uma hora e meia após o combinado, provavelmente pela quantidade ínfima de examinadores e a lentidão de todo o processo. Sim, o exame é rápido, os examinadores, não. Percebi uma certa movimentação por volta das 17 horas, quando fui chamada, já preocupada com o horário, pois não me encantava a idéia de fazer baliza no escuro. O Claudio estava chateado, tentando argumentar com o examinador, o indivíduo encrencou com o meu cadastro e não queria me deixar fazer a prova.

Eu não acho, mas dizem que meu nome é imenso, talvez seja verdade, pois nunca cabe em nenhum campo de formulário, o destinado a “nome” do cadastro do Detran não tinha espaço suficiente para escrever, por extenso, Vanessa Stella Rodrigues Santana de Resende Lampert. A única saída, óbvia, foi abreviar. Desde a auto-escola anterior, em 2005, sou identificada no sistema do Detran como Vanessa Stella Rodrigues S. de R. Lampert. Assim fiz e passei no primeiro exame teórico, mas no segundo exame teórico, neste ano, tive de voltar à auto-escola para pedir um email do Detran autorizando a abreviatura. Um ridículo “documento”, apenas um email comum impresso.

Quem mandou o Detran não ter espaço suficiente no campo “nome”? Provavelmente fui eu, pois estou sendo punida por isso até hoje. Devo, em um de meus ataques de sonambulismo, ter encurtado a lacuna, de alguma forma. Achei que não me incomodaria mais com esse problema, na prova prática do dia 9, o examinador inclusive perguntou o que significava o S e o R que estavam abreviados e comparou com a identidade. Porém, não tive a mesma sorte com o de ontem; após um diálogo surreal, sua última tentativa de se esquivar da obrigação de oferecer um argumento lógico e inteligente que justificasse aquela proibição ridícula, foi apelar para o “a regra é essa e ponto”, com um tom arrogante e inflexível, que eu ouço como “somos todos robôs e é proibido raciocinar”.

– Por que não pode aceitar meu histórico, que tem todos os meus dados?

– Esse papel não vale, está escrito que não tem efeito legal, eu preciso de uma autorização do Detran.

– Mas o histórico é muito mais seguro, e tem mais valor do que um email impresso, se o histórico não tem efeito legal, o email não tem efeito nenhum.

– Não posso porque a regra é assim, a norma é essa, não posso fazer nada contra a norma.

– Sim, mas dá para raciocinar em cima da norma. – Eu disse, porque era óbvio que ele não estava fazendo nada errado, ou eu não estaria em meu segundo teste prático. Ele não ficou feliz com meu comentário:

– Eu sei raciocinar, mas sou funcionário!

– Ah, tá, então funcionário não pode pensar? É proibido?

Claro, para dizer isso eu já sabia da impossibilidade de ele dar o braço a torcer. O Claudio estava com dor de cabeça de tanto stress pela dificuldade de conseguir um prosseguimento de raciocínio da criatura. Lembrem-se que o Claudio é um instrutor calmo e paciente, mas se esforçar para fazer com que alguém entenda algo que não quer entender, esgota qualquer um.

Ligamos para a auto-escola, ao menos para avisar que o histórico não tinha feito nem cócegas na burrocracia. Para a minha surpresa, ao saber da confusão, um dos donos da auto-escola reimprimiu o tal email do Detran e foi até o Intercap. Pelo celular, brigou com os responsáveis pelo exame, reclamando da falta de respeito de marcarem teste para dezenas de alunos, disponibilizarem apenas três examinadores, começarem com uma hora e meia de atraso, e ainda criarem problemas.

Quando me liberaram para fazer a prova já estava escuro e eu preferi deixar para a próxima quarta, até porque, estranhamente, o tal examinador com quem discuti, estava reprovando à granel, provavelmente para se auto-afirmar depois daquela palhaçada toda, demonstrando seu pseudo-poder. Até agora não entendi por que raios essa autorização para abreviar os sobrenomes excedentes já não consta em meu cadastro no sistema. Ela deveria vir impressa na etiqueta em que o Detran autoriza meu exame. Já que é tão difícil assim aumentar o campo destinado ao nome, deveriam pelo menos grudar a informação em algum lugar para que eu não precisasse pagar ad infinitum por um erro que não foi meu.

Eu já estava xingando o Detran quando descobri que ele não é mais o responsável pelos exames teóricos e práticos, desde 1998 esse serviço é terceirizado. No site do Detran consta que os exames são aplicados pela Fatec, mas soube que há bem pouco tempo é outra fundação que tem feito esse trabalho, só não consegui descobrir ainda qual.

Depois, algumas dúvidas povoaram minha mente. As taxas que pagamos supostamente ao Detran, na verdade são recolhidas por essas fundações. Peço licença para perguntar, cá entre nós, o que elas fazem com o dinheiro? São R$40,24 pelo exame teórico e R$ 69,90 pelo exame prático, por aluno. Em Porto Alegre, segundo o site do Detran, existem 36 auto-escolas, todas abarrotadas de alunos, cada um deles paga essas taxas obrigatoriamente, calcule, por cima, o valor arrecadado.

O dinheiro não é reinvestido em nada que possamos ver ou nenhum serviço de qualidade que possamos identificar, nem uma área isolada para o exame prático eles são capazes de oferecer, um local fechado onde seja possível fazer baliza sem correr o risco de ser atropelado pelos carros alucinados da vizinhança, com iluminação e segurança suficientes, bancos para que os alunos possam aguardar sentados e protegidos da chuva, do sol forte ou do frio, uma lanchonete para que não morram de sede e fome e onde tenham um sanitário à disposição, ou seja, uma estrutura mínima para que sejam dadas condições decentes e justas de aplicação do exame prático.

Ficamos lá, das três da tarde às sete da noite, esperando em pé, congelando, com sede, fome e vontade de fazer xixi. Por volta das cinco e quarenta, o sol se pôs e ficamos no escuro, com a iluminação ridícula das ruas e inexistente da praça, em um local sabidamente perigoso…deveríamos, em vez de pagar taxa para a FATEC (ou quem quer que seja), receber um adicional de insalubridade. Às sete da noite, quando saí de lá, ainda havia uma porção de gente para fazer o teste e chegaram “reforços”: um examinador a mais. Pouco depois, os instrutores, preocupados com a segurança dos alunos, resolveram encerrar, eles mesmos, o exame.

Esperamos que na próxima quarta a tal fundação tenha, pelo menos, a dignidade de marcar o exame para as 13 horas, como costumava ser. E mande no mínimo um examinador para cada carro. É muito fácil trabalhar assim, arrecadam, não investem, não se esforçam, apresentam um trabalho amador, de qualquer jeito, e depois, o órgão que contratou o serviço é que recebe os xingamentos. Ao que eu saiba, fundações não visam lucro, auferem lucro, mas não visam…eu acreditaria nisso se cobrassem, pelo parco serviço que oferecem, o que ele realmente vale, uma taxa simbólica de – superfaturemos – cinco Reais. Ainda assim, convenhamos, sobraria dinheiro para investir.

.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *