1993

Estávamos no ônibus, indo para o passeio de final de ano da escola, em um clube chamado Colônia de Férias, em Campo Grande. Ela me chamou, eu olhei para trás, com minha carinha feliz de sempre, e fui surpreendida com o flash. Fiquei até mais bonitinha na foto do que era ao vivo, o ângulo me favoreceu, acredite. A menina que tirou essa foto se dizia minha amiga e eu soube que enquanto eu me recuperava da insolação que peguei aquele dia (com direito a queimaduras de segundo grau no corpo todo e rugas na testa aos 13 anos. Obrigada, sol), ela se divertia mostrando a foto para o menino mais bonito da sala, dizendo “Olha aqui a sua namorada”, enquanto todos riam (menos ele , é claro).

A vida não era fácil naquele tempo. Não eram apenas as pessoas da sala que faziam o que hoje chamamos de Bullying, era a escola inteira. Virou uma espécie de moda fingir que levava um susto – ou fazer o sinal da cruz – ao passar por mim no recreio.  Isso foi dos 11 aos 15 anos. Me mudei da primeira escola por causa disso, dos apelidos, das risadas, dos garotos me chamando de feia, das agressões verbais. Para o meu espanto, na escola nova tudo se repetiu. Era o mesmo espírito maldoso naquelas crianças…achei que tinha alguém da escola velha em minha nova sala, mas não tinha. O problema era a minha aparência e eu não havia me dado conta. Comecei a me comparar com aquelas meninas. Elas realmente eram muito mais bonitas do que eu. Eu era exageradamente magra, a pele muito branca, a boca muito grande por causa dos dentes projetados e separados, meu nariz era esquisito também por causa da arcada dentária, a língua, flácida, não cabia dentro da boca e minha dicção era horrenda por conta disso.

O problema é que eu não conseguia agir como uma pessoa complexada. A timidez só veio depois, por causa de uma igreja doida pela qual passei no ano seguinte (o pessoal sabia destruir a auto-estima das adolescentes por lá) e foi embora por causa do que encontrei na igreja em que estou hoje. Na época do Bullying, no entanto, eu não conseguia ficar sem rir, ou esconder os dentes enquanto ria, mesmo sabendo que eles eram horríveis e que meu sorriso deformava ainda mais o meu rosto. Também não conseguia falar sem gesticular e era totalmente desengonçada, não sabia onde colocar pernas e braços (se bem que acho que até hoje não sei…rs…), o que piorava ainda mais as coisas.

Um dia cheguei em casa chorando porque não aguentava mais os apelidos e o desprezo dos colegas que me tratavam como uma sub-espécie. Minha mãe sempre me dizia que ela era o patinho feio na infância e que depois ficou bonita e os rapazes se apaixonavam por ela. O que ela me disse naquele dia fez toda a diferença:

– Vanessa, criar corpo cedo demais não é bom, quando você tiver dezoito anos vai estar linda e essas meninas que riem de você provavelmente não estarão mais. Não se preocupe com aparência agora, se preocupe em desenvolver sua inteligência, quem você é por dentro. Isso ninguém nunca vai tirar de você e é o que realmente importa.

Eu não sei por que, mas acreditei nisso com todas as minhas forças. Alguns anos depois, coloquei aparelho, fiz fono e consegui arrumar os dentes e a língua, apesar de ter de refazer o tratamento aos 21 anos, até consertar de vez. Consegui um corpinho decente aos 17, quando as modelos magérrimas entraram na moda e eu também. Mas sempre foi estranho ser tratada como “bonita” (as pessoas são delicadíssimas com meninas consideradas bonitas e super grossas com aquelas que são vistas como feias ou esquisitas, eu me irritava muito com isso e estive sempre do lado dos fracos e oprimidos…rs…), nunca gostei de garotos que se aproximavam de mim por minha aparência porque eu, mais do que ninguém, sempre soube do quão vazio era esse critério.

Demorou para que eu aceitasse minha nova aparência e conseguisse me enxergar no espelho e ver que aquela era eu. Por algum motivo, o tratamento ortodôntico consertou também o formato do meu rosto e o meu nariz. Outra coisa que minha mãe me ensinou e que contribuiu para que eu não tivesse minha autoestima destroçada foi: “Vanessa, a gente não é feita de pedacinhos. Não importa se você não gosta do seu nariz, a beleza é um conjunto. Não se olhe com uma lupa, o importante é o conjunto”.  Lembro de ouvir isso várias vezes, algumas enquanto eu me debulhava em lágrimas por causa do meu nariz ou da minha boca.

Hoje me vejo como um simpático conjunto animado. O que as pessoas acham bonito em mim – elas não sabem – é algo que não dá para ver. E se alguém resolve me atacar apontando algum defeito em minha aparência, sou a primeira a rir e a apontar mais uns cinco. Conheço todos os meus defeitos, por fora e por dentro. Me incomodo muito mais com os de dentro do que com os de fora. Gosto de estar bonitinha, arrumadinha, mas tenho total consciência de que o que você tem por fora é casca. É embalagem. Não te define, não te diminui.

Existem centenas de qualidades interiores que podem te fazer bonita ou feia, independente dos traços do seu rosto ou das medidas do seu corpo. Não entendo quem se acha no direito de ridicularizar outro ser humano por sua aparência, assim como não entendo exaltar alguém pelo formato de seu corpo ou pelo seu rosto estar dentro dos padrões. Não espere ser aceito pelos outros, valorize aquilo que você tem de melhor, aquilo que você tem por dentro e que ninguém – nem mesmo o tempo – poderá tomar de você. No final das contas, é o que realmente importa.

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8 Comments on Embalagem e conteúdo.

  1. Olá, Vanessa , muito provavelmente não irá ler este comentário mas vou comentar na mesma, porque provavelmente tal como eu vim aqui parar, outras pessoas acabarão por fazer o mesmo e talvez ajude, talvez não, mas não custa nada escrever um pouco.

    Ora sou um pouco mais nova que você mas aconteceu me tal e qual a mesma historia.
    Quando era mais nova, a minha mãe não tinha possibilidades que comprar roupas bonitas como as minhas colegas, devido a dificuldades da vida, para piorar a situação eu era o que as crianças chamavam de ”bolinha” aqui em Portugal, ou seja , tinha excesso de carne nos ossos (lol)
    Então era muito gozada, lembro me que com 9/10 anos chamavam me de ”homem ” porque devido a vida sofrida da epoca vestia o que me davam e levava a para a escola. Mais tarde tive um pequeno incidente perto da escola em que cai e parti um dos dentes da frente, ficou em metade. Os anos foram passando e a lista dos nomes foram aumentando, ”bolinha”, ”feia”, ”baleia fora de agua” (um dos meus preferidos), ”homem” e por ai. E mesmo nessa idade com 10 anos já era uma criancinha bastante desenvolvida mentalmente , mas poucos sabiam (ou nem queriam saber) devido ao meu aspecto exterior. Agora vamos pular um bocadinho até aos meus 17 anos. Idade critica para mim, já andava no ensino secundário, fui muitas vezes humilhada por não ter as mesmas condições monetárias que os meus colegas, por ter um corpo diferente, eu com 14 anos já pesava cerca de 85kg. Mas desenvolvi uma coisa que nenhum desses colegas desenvolveu, sensibilidade e inteligência. Era muita das vezes elogiada pelos os meus professores devido a minha responsabilidade e pela a minha forma de falar. Hoje? Tenho 20 anos, 68/69kg (já não me peso a algum tempo lol), sou uma pessoa que se dá com os outros, hoje sou uma mulher bonita e considero me especial. Não porque os outros gozaram comigo ou devido a pressão que exerceram mas ao meu desejo de me tornar uma pessoa diferente, uma pessoa com uma auto estima completamente remodelada. Hoje posso dizer que tenho embalagem e conteúdo. E alguns daqueles colegas que tive durante a minha vida escolar, já me viram e muitos ficaram de boca aberta e ainda nem viram nada 😉

    A mudança começa de dentro, pois só assim conseguiremos passar para o exterior a nossa beleza.

    • Luisa,

      Ainda que nem sempre responda, eu leio todos os comentários! 🙂 Agradeço muito por você ter colocado a sua história, tenho certeza de que ajudará muito a quem passar por aqui. Às vezes uma palavra pode fazer a diferença na vida de alguém, então eu me lembro Provérbios 3:17: “Não te furtes a fazer o bem a quem de direito, estando na tua mão o poder fazê-lo.” Foi o que você fez agora! Muito obrigada, mesmo.

      Beijos!

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