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Uma das coisas mais idiotas da pós-modernidade é essa mania de sair ficando com qualquer um, como se isso fosse alguma forma de transgressão. Sinto informar, mas na década de 80 já tinha uma galera que fazia isso, e quando você faz o que a esmagadora maioria das pessoas faz, você não está transgredindo coisa nenhuma. Você é tipo qualquer pessoa…

Talvez a graça esteja em se sentir especial. Como se no meio da multidão, aquele desconhecido tivesse escolhido você. E, sem pressão, sem compromisso, sem nada que possa ser considerado potencialmente humano, você simplesmente beija. Como uma cena de uma novela qualquer. Como uma cena de filme. Como um comercial de margarina. Como se você fosse amada. Como se estivesse formando uma família. Como se não precisasse pensar. Como se não houvesse vida depois daquele beijo. Como se o mundo fosse acabar. Como se vocês fossem uma fotografia. Como se ele pudesse querer aquele beijo para sempre. Como se você fosse especial. Como se o beijo fosse especial. Oh, que lindo.

Mas o mundo não acaba. Você não é amada. Você tem que pensar. A brincadeira acabou. Ele não está nem aí para você. Você acabou de fazer um negócio absolutamente inútil que não acrescenta em nada na sua vida. E talvez pegue herpes labial. Ou cárie. Cárie é transmissível. Não tem ninguém filmando. Não é uma novela. Amanhã ele vai olhar daquele jeito para outra. E você vai olhar daquele jeito para outro. E vocês não estão construindo nada. A foto foi picotada e vai para o lixo. E o tempo que passaram juntos vai para o lixo. E tudo foi inútil. Só mais um comprimidinho alucinógeno qualquer. Parecia amor. Parecia interesse. Parecia um jogo bacana, mas era só qualquer coisa.

Lembro que passei por isso uma vez, no final da adolescência. O rapaz me pegou de surpresa, quando vi, ele me beijou. Eu achei estranho e perguntei o que ele pensou ou sentiu que o levou àquele impulso. Ele respondeu: “não pensei nada, só fiquei com vontade”. Achei idiota. Inútil, realmente. Qual é o objetivo de algo que não tem um objetivo quando a vida é tão curta e passa tão rápido? Não é melhor aproveitá-la com coisas úteis? Não é melhor construir alguma coisa?

Eu era transgressora. Dizia às minhas amigas que não ficaria com ninguém. Elas, horrorizadas, acreditavam que eu nunca conseguiria namorar, pois hoje em dia ninguém mais namora sem antes ficar. Todos os namoros começam assim – me diziam. O resultado: dois anos depois eu já estava casada e nenhuma delas tinha namorado. Estavam ainda pulando de ficante em ficante. Este ano, eu completo dez anos de casada, uma vida a dois, com tudo o que isso significa. Com toda a transgressão ao que é hoje normal. Um relacionamento feliz e divertido de dez anos.  Dez anos de esforço mútuo. Dez anos que não caíram do céu. A alegria de construir, tijolo por tijolo, pedra por pedra, uma história bacana. Tempo que não foi para o lixo. Um documentário que não vai cair no esquecimento. O que me faz saber que sou especial não é o olhar dele antes do beijo fortuito, mas o esforço dele em me agradar ou em abrir mão de alguma coisa em meu favor. E o que me faz feliz não é ser agarrada aleatoriamente porque alguém teve “vontade”, como se eu fosse um pedaço de bife, mas fazer algo que faça meu marido saber que ele é especial.

Ele me escolheu. E eu o escolhi. A prova disso não é um beijo – isso é muito fácil. A prova disso é que um entregou a vida ao outro e assumiu os problemas e as encrencas que vieram com o pacote. O esforço de construir algo que realmente importa. Um trabalho terrível. Um trabalho delicioso. Algo que ninguém deveria deixar de perseguir. Algo pelo que vale a pena ser diferente da maioria.

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