lampert

Há alguns anos eu não trabalho com massa de porcelana fria (aquela massa à base de cola e amido de milho, também conhecida como “biscuit”), mais por falta de tempo do que de vontade. É uma das poucas coisas que fazem com que eu me esqueça da vida…rs Comecei a trabalhar com ela fazendo noivinhos, mas me apaixonei mesmo foi por esculpir a figura humana. Eu já tinha feito esculturas com outros materiais, então descobri que poderia usar técnicas semelhantes às de argila para trabalhar com a massa de porcelana fria. Muita água (para o terror das praticantes do “biscuit clássico”, que não pode molhar de jeito nenhum) e muita edição…rs

Sim, porque o papel do escultor é bem semelhante ao papel do escritor (que é, também, um editor. Pelo menos, eu sou). Se um lado da peça está muito grande, você arranca um pedaço e alisa o que sobrou, usando água. Se um trecho do texto está muito enrolado, você arranca uma parte dele e reescreve o que sobrou, alisando com as melhores palavras e conectivos, para que fique harmonioso. Sempre é bom observar como ficou o resto sem a parte que você tirou, para a peça não ficar deformada. A mesma coisa em relação ao texto, é importante cuidar para que o sentido se mantenha, então você tem que reler tudo, para ver se não precisa fazer mais nenhum ajuste.

Se um lado da peça parece meio vazio, você precisa fazer um enxerto. Coloca um pedaço de massa no lugar que precisa ser preenchido e alisa com água, sumindo com as emendas. Da mesma maneira, se faltou alguma informação no texto (ao ler como se não soubesse do assunto, você conseguirá identificar se precisa acrescentar alguma coisa, lembrando que seu leitor não está dentro da sua cabeça), você acrescenta o que faltou e relê, corrigindo as frases ao redor (ou mesmo o parágrafo inteiro), para que as emendas desapareçam e você consiga fazer com que, para o leitor, pareça que o texto foi escrito daquele jeito.

Geralmente, em uma peça, os detalhes é que fazem toda a diferença. Quem vê jamais vai perceber, mas o que fazia com que os rostos que eu esculpia ficassem parecidos com os rostos das pessoas eram os detalhes. Uma curvinha em um cantinho nariz, uma voltinha diferente na boca…eu ficava maravilhada em perceber como o rosto humano é tão rico em detalhes – e tão bonito! Cada rosto é único e, por isso, é lindo. Da mesma forma, o que faz a beleza de um texto são os detalhes. Saber quando usar conectivos como “isto é”, “aliás”, “afinal”, “contudo”, “além disso”, etc., entendendo o sentido de cada um deles, para empregá-los corretamente, é “detalhe” essencial a um texto harmonioso. Esses elementos ligam uma frase a outra e ajudam a construir um texto que faça sentido.

Você sabe que a peça pode ser finalizada quando tudo está no devido lugar. Claro, você sempre vai achar que pode consertar um pouco aqui e ali, mas é importante que, assim que ela puder seguir sua vida, você a deixe partir. Em algum momento a edição tem que acabar. Olhe novamente a peça, analisando seus detalhes para ver se tudo realmente está em ordem. Depois, olhe a peça de longe, para analisar o conjunto, pois uma escultura não é um conjunto desordenado de detalhes, eles devem estar dispostos de modo equilibrado e harmonioso. Assim também, releia o texto, analisando seus detalhes para ver se as ideias estão bem concatenadas, se uma coisa leva à outra, se está tudo em ordem, se não tem nada faltando, nem sobrando. Depois, analise a ideia dos parágrafos. Tente resumir a ideia do parágrafo em uma frase (para evitar textos cheios de parágrafos que dizem a mesma coisa), veja se o texto, como um todo, faz sentido. O texto não é um conjunto desordenado de frases, elas devem estar dispostas de modo equilibrado e harmonioso.

Ao esculpir um retrato, tudo deve estar ali por uma razão. Você não vai desperdiçar massa com algo que não acrescente nada à peça. No texto, cada frase e cada palavra devem estar ali por uma razão. Não desperdice palavras que não vão acrescentar nada ao que você quer dizer. Repetições são permitidas, desde que sirvam para reforçar alguma coisa que você disse – e que o texto comporte isso. Tudo deve ser feito de forma consciente, com leveza e alegria. Se, na adolescência, eu não sabia escrever se não estivesse triste, hoje eu não saberia escrever se não fizesse com que essa atividade fosse divertida. Felizmente, “fazer com que seja divertida” é fruto de escolha, não de um sentimento. Assim como esculpir, apesar de ser uma arte, é um trabalho racional, que exige muito mais do que apenas sentimentos (pode exigir sensibilidade, que é uma percepção mais aguçada, mas não é um sentimento), escrever, que também é uma arte, é um trabalho racional, que exige muito mais do que apenas sentimentos.

 

 

PS: Veja que interessante: o Homem é uma escultura de barro, feita pelo maior Escultor de todos os tempos (o Escultor dos escultores…rs), que também é o maior Escritor (o Escritor dos escritores), escreveu o maior Best-Seller de todos os tempos. E tudo o que existe Ele fez com Sua Palavra. Escultor e Escritor.  🙂

2 Comments on Escultor e escritor

  1. Engraçado… esse post seu parece uma resposta para o que eu escrevi em meu blog (em sua homenagem… brincadeira)!!! rs 🙂

    PS: Amei sua escultura (literalmente sua)!

    Deus abençoe dona Vanessa.

    Laianne Karine- São Luís-MA.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *