Estou me esforçando um bocado para perder um péssimo hábito que adquiri sem perceber aqui em Porto Alegre. Estava eu, em minha mais recente visita a Campo Grande, falando compulsivamente (coisa que costumo fazer com relativa frequência), quando notei um olhar estranho vindo de meus interlocutores. Me dei conta, de repente, que estou construindo frases de uma maneira um tanto quanto gauchesca. Explico: gaúchos têm alergia a plural. Plural é uma coisa ultrapassada, é algo supérfluo. Pronunciar um ‘ésse” a mais gasta energia que poderia ser utilizada em argumentos mais eloquentes. Assim, um gaúcho JAMAIS irá sentir dor nos pés depois de uma longa caminhada. Caso eles venham a doer, o gaúcho dirá, com toda a carga dramática envolvida na exclamação: – Bah, tô com uma baita dor nos pé!” Note que “uma baita dor” é significativamente mais intensa do que “uma dor”. É como o superlativo “aço”. Se um gaúcho bater o cotovelo na parede ele dificilmente dirá que deu “uma cotovelada na parede” porque o sufixo “ada” sugere algo de baixa intensidade.

Dificilmente uma cotovelada doeria a ponto de merecer ser citada. Geralmente o gaúcho dirá que deu “um cotovelaço na parede”. Um cotovelaço dói. Dói DE VERDADE. É uma baita dor! Uma baita batida na parede, e se machucar a ponto de continuar doendo depois, ter de ir ao médico, talvez imobilizar, enfim, se não for algo que passe na hora, ele dirá “bah, dei um cotovelaço na parede. Pisei meu cotovelo” Aí eu imagino o cidadão fazendo algum contorcionismo para conseguir pisar NO cotovelo. Duvido que tenha sido um acidente. Bem, voltando ao assunto, de tanto ouvir: “bah, onde foi que eu coloquei as tampa dos pote?” ou “eu só faço minhas compra naquela loja que fica três quadra daqui, gosto de ficar olhando as gôndola para escolher os produto que preciso.” Veja bem, isso é generalizado (deve ser a água). A pessoa pode ter curso superior, mestrado, doutorado, pode ter hábito de leitura, geralmente escreve corretamente (às vezes até conjugando o verbo na segunda pessoa do singular!! Coisa que eles não costumam fazer ao falar…a segunda pessoa acompanha o verbo na terceira pessoa, conforme exemplo a seguir), mas na hora de falar segue um dialeto próprio, charmosamente analfabeto e muito, mas muito contagioso: “- Tu viu que estampa bonita? Uns azul, uns verde, uns vermelho, tudo misturado, mas de um jeito muito tri, o vestido tem umas fenda, um decote diferente, mas as manga não vão até os cotovelo, não. Se bem que não sei o que tu acha, mas eu acho que nem precisa daquelas manga”.

Vendo, assim, desse jeito, você pensa: “eeeeeu??? Mas eu NUNCA que falaria desse jeito! Nem se ficasse CINQUENTA anos em um lugar assim”. Aí é que você se engana, colega, você não perceberia!! O troço se enfia dentro da cabeça da gente de um jeito muito invasivo! Você não nota que está falando que está com dor nas perna, ou que todos os músculo do seu corpo dói! Ou que você esqueceu os prato em cima da pia, um deles escorregou e caiu sobre os copo que estavam dentro da pia e espalhou caco de vidro por todos os canto da cozinha. Depois você pegou a vassora e varreu os caco, mas sempre fica uns pó pequeno no chão e se você andar sem chinelo, pode espetá os pé. Cuidado.

Aí lá vou eu, culta, chique, bela e modesta para Campo Grande, onde pessoas e plurais convivem harmoniosamente. Sem perceber, acabo dizendo à caixa do supermercado, enquanto reviro a bolsa, que nunca me lembro em qual lugar da bolsa coloquei as moeda, porque a gente vai recebendo as moeda e jogando dentro da bolsa, e na hora de pegar acaba confundindo com as chave. E eu nunca me lembro de comprar um troço pra guardar as moeda. Notando a cara de horror da moça, disfarço, comentando que vou colocar duas sacola para embalar a garrafa de água mineral, porque essas sacola são muito porcaria, uma vez eu estava subindo uma lomba com uma garrafa em cada sacola, aí as água caiu no chão e saíram rolando e eu correndo atrás delas (eu SEMPRE conto essa mesma história – real, aliás, ocorrida após uma compra no Sendas do Leblon, no Rio, quando morei lá- todas as vezes em que  embalo água mineral de 1,5 litros com duas sacolas plásticas).

Esse tipo de conversa causa uma inevitável expressão de espanto em qualquer pessoa (principalmente desconhecida, acho que os conhecidos nem prestam mais atenção no que eu falo e não percebem…risos…) que ouça, estupefata ao ver aquela moça tão bem arrumada, parecendo tão educada, culta, simpática (e – sempre – modesta). Me esforcei muito para evitar comer os “ésses” dos plurais, mas é um sacrifício grande demais para que eu possa resistir. Ou talvez porque…no fundo, no fundo eu goste desse jeito tosco e livre de falar. Essa coisa transgressora e atropelada, dramática e apressada, que não tem nem tempo de pluralizar palavras…um discurso democrático, no qual se permite tranquilamente que o artigo não concorde com o substantivo, afinal de contas, cada um tem direito a sua própria opinião, ninguém precisa ser obrigado a concordar com ninguém. Nem o pronome com o substantivo, nem o sujeito com o verbo. Tem sujeito que quer discordar, ué! E se alguém quiser discordar do sujeito, tem toda a liberdade de fazê-lo.

Ninguém tem língua presa no Rio Grande do Sul, devido à liberdade linguística que existe neste país (sim, porque o Rio Grande é o meu país, colega!). Na verdade a éssefagia (hábito de engolir “ésses”) é uma prática proposital, para celebrar, a cada frase pronunciada, a mais pura e perfeita democracia e liberdade léxica. Não mais me envergonho de tal analfabeto hábito, agora que descobri sua nobre origem e seu louvável objetivo. Me falta apenas conseguir transformar essa explicação em um curto e convincente texto para decorar até minha próxima viagem a Campo Grande.

PS: Hoje é aniversário do meu irmão. Ou melhor, ontem, porque já passou da meia-noite. Já falei com ele, mas deixo aqui registrado meus parabéns (parabéns, Junior!!). Também foi em um dia 26/06, porém em 2002, que eu fiz meu primeiro post em meu primeiro e já falecido blog, chamado vansblog (e que vinha com o eco: sblog, sblog, sblog… do monstro de lama caminhando com certa dificuldade e sujando todo o assoalho), o que significa que eu tenho sete anos de blog.  Credo.

10 Comments on Um hábito singular

  1. Pior que é exatamente assim que falamos…
    🙂

    Ps: “só merecem plural acima de cem real”
    :-)))

  2. Acho que os paulistas sofrem desta mesma liberdade, ao menos no que se refere aos esses designando plurais. Em compensação, nós, cariocas, e eu infelizmente inclusa (tentei, como você, resistir), rendemo-nos à conjugação mista, pronomes na segunda pessoa acompanhados de verbos na terceira.

    Meu primeiro blog é de 2003. Também estou anciã nesta onda. O merely another player é do início de 2004. Mais de cinco anos de MESMO blog.

  3. Não é em São Paulo que o pessoal costuma pedir “Um CHOPPS e dois PASTEL?
    Então, não são apenas os gaúchos que comem os “esses”…
    🙂

  4. Ps.: Sobre esse seu post… Realmente, sotaque gaucho é uma “desgraça” a gente pega muito rapido XD Eu mesma falo uns Guria, guri, Bah! por conta de conviver com gauchos XD

  5. Olá, moça que muda de blog mais que eu. ( Foi até engraçado te achar XD )

    Agora a pouco, eu estava fuçando um de seus blogs, que realmente É de utilidade publica. O “Autor Desconhecido”. Fui parar lá graças a uma amiga, comentei com ela que estava a procura da verdadeira origem de um texto, que achei o finalzinho dele em 2004 sob a forma de uma imagem. Ai anos depois busquei o danado na internet e em todo lugar dizia ser de Shakespeare ( Vc já deve saber qual é). Porem eu estranhei, mesmo sendo quase analfabeta sobre Shakespeare ( Eu amo Hamlet e A Megera Domada ( gargalho com esse ultimo), mas nunca fui com a cara de Romeu e Julieta =-=’ Não sou fã de paixoes assim como a deles ) mas como sempre que buscava, achava o testo atribido a ele, a pulga atras da orelha parou de me atormentar. Nisso, em uma tentativa de dar uma sacudida na estima do meu ex namorado, que surpresa não foi a minha, ao procurar novamente pelo texto, acho um video e vou vê-lo e abaixo estava a discussão com dirento a troca de “elogios” sobre a autoria do texto. Fiquei surpresa com o nome Veronica Shoffstall sendo atribuido a aquele Texto. Procurei sobre ela e não obtive sucesso. Só achei o referido poema de sua autoria. Entao procurei Shakespeare e não achei o dito texto e a pulga atras da orelha me mordeu COM FORÇA. Virei par a minha amiga e contei a historia. Ela, mesmo sem ver o texto disse na hora “Ele nunca escreveu sobre auto-ajuda” e eu “Disso eu sei, mas em todo lugar dizem que esse bendito texto é dele. A não ser aqui” e passei o end do video postado em um site com um comentario em baixo. Pessoas estão drmatizando o Texto, o que me deixou ainda mais pasma. (voltando… Não ligue, sou um tanto quando dispersa e pessima p/ escrever pelo jeito =_=’ ) Ai ela me passou seu blog que ela achou e me mandou ler ( Sim ela MANDA, da até medo as vezes XD ). E vc não imagina o tamanho da minha decepção ao descobrir que o texto que eu tanto gosto é um Plagio adulterado o___o’ Nossa que pena. Eu gosto muito dele, e não consigo gostar do poema igual. Que pena que em vez de a guria escrever seu proprio texto, teve de plagiar aquele. “Santa Inocencia Batman”. Como pode alguem não saber que fazer o que fez é crime =_=’ Ainda mais alguem que aparenta gostar tanto de ler como ela aparentou gostar. E restou a mim a decepção de amar um Texto plagiado e adulterado sem mae e nem pai. Porem pasei o link do seu blog para todos os lugares ( os que consegui e os que achei) onde o video com o Texto foi postado. Continuarei amando esse Texto Frankstein que sempre me tira do fundo do poço quando estou mal (mesmo sabendo a verdade).

    Obrigada por trazer essa luz a minha duvida. Seus blogs já estão nos meus favoritos.
    Ah! vc continua cm o “Autor deconhecido”? Eu queria saber sobre um texto, mas agora nao me recordo qual é. Eu tenho memoria de peixinho dourado e jogo ideias em vez de esxreve-las. Desculpe pela tortura que deve estar sendo para vc ler esse meu comentario mal escrito /@_@\

    Novamente obrigada por seu trabalho no “Autor Desconhecido”.
    Beijux
    Mi

  6. Adorei o texto, mas gostei mais ainda do PS. Pra mim o “sblog” é o barulho da flacidez do tempo passando! meu blog tá com 4 anos. Não são sete mas são quatro. Dá pra ouvir um sblog tambem.

  7. e os dez real, vinte real ou cinco pila, dez pila, só merecem plural acima de cem real, ahahaha. adorei o texto e to com tanta saudade dessa pluralidade léxica.

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