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Não nasci deserto. Era uma terra até bastante florida, tinha um laguinho e alguns patinhos. Muitos bichinhos fofinhos e tudo assim, no diminutivo, porque eu era criança. Depois, com o passar dos anos, o laguinho secou. Não secou de uma hora para outra. O nível da água foi diminuindo, diminuindo, até que deixei de ser criança e não notei que não havia mais laguinho. Todos os bichinhos morreram. As cores foram ficando todas iguais, todas de um só tom. Ocre. Depois, cinza. Um deserto cinza.

Eu não era uma pessoa ruim. Era até boa. Pensava nos outros, sofria pelos outros e por mim. Entre o temperamento forte, a vontade de ajudar e a vontade de dormir para sempre. Havia uma dor lá no fundo, que causava textos ridículos e poemas patéticos. Eu era a pior versão de mim. A mais pobre. Toda a inteligência que diziam que eu tinha, foi soterrada por minhas emoções descontroladas. Elas é que me controlavam e decidiam o que eu deveria fazer e o que eu deveria ser. Para elas, eu não merecia nada, eu não deveria conseguir coisa alguma. O que eu não sabia é que elas estavam sendo usadas.

O deserto me calou. Não era mais eu. Era uma sombra. E a sombra me arrastou durante anos. Achava que só eu sentia aquilo. Meu umbigo era o mundo. E, no meio de todo esse nada, eu queria acreditar que tinha Deus. A guerra dentro da minha cabeça era infinita. Pensamentos se chocavam, uns contra os outros, e flutuavam, desacordados.

Eu costumava dizer que tinha um rádio ligado na minha cabeça 24 horas por dia, que só conseguia desligar com ritalina. Foi a primeira vez que ouvi o silêncio. Porém, com o passar do tempo, o remédio já não fazia o mesmo efeito. Precisei trocar por um mais forte. E, em alguns anos, percebi que, mesmo tomando vários medicamentos, o deserto só aumentava. A ansiedade. A dependência química que demorei a identificar, afinal de contas, eu só tomava drogas com a devida prescrição médica.

Eu queria uma nova vida. Uma nova chance. E ela se apresentou para mim quando eu clamei. A oração que mudou minha vida foi: “Deus, me tira dessa”. Mas tinha tanta coisa nessas quatro palavras, tanta coisa que eu não conseguia dizer, mas que Ele ouviu. E, então, uma pequena luz se acendeu no deserto escuro. Ela apontava o caminho. E eu segui.

Aos poucos, as cores foram voltando. A vida. As plantinhas. O laguinho que eu enchia a cada quarta, a cada domingo. Até que, um dia, em uma vigília simples com meia dúzia de gatos pingados, orando de madrugada por pessoas da favela, que nada tinham a nos oferecer, eu me tornei uma Fonte. Não senti nada. Nem um arrepio, nem um tremilique, nem um choque elétrico. Nada. Apenas naquele dia tive plena consciência de quem eu era, diante de Deus. E de que eu não tinha a menor condição de assumir a responsabilidade por aquelas pessoas. O que eu tinha para dar? Nada. Só um golinho de água do meu laguinho. Daquele lago que eu precisava encher novamente durante a semana. Aquele lago que mal dava para mim. 

Eu precisava de mais. Não me sentia digna. E sabia que não daria conta. Não sozinha. A única oração que fiz por mim naquele dia, foi pelos outros. Eu sabia que eu não era nada. Sentia que não tinha o direito. Mas sabia (e disse isso a Ele), pela Palavra dEle, que Ele havia prometido dar o Seu Espírito a quem pedisse. Então, com base nessa Palavra, eu estava pedindo. Não por ter alguma condição humana ou por algo que eu tivesse feito. Apenas queria. Precisava. Necessitava dessa Fonte. Tinha diante de mim uma multidão sedenta, faminta, necessitada de muito mais do que comida e bebida. Pessoas que tinham fome de algo que eu não tinha para dar. Então, pedi. E tive certeza, porque tinha a Palavra como garantia, de que havia recebido.

Mas eu nem tinha noção do que havia recebido. Sério. Eu não pensei conscientemente em “batismo com o Espírito Santo”. Não pensei na ideia religiosa da coisa, esse termo não passou pela minha cabeça. Eu só queria ter a Fonte para saciar aquelas pessoas. E quando recebi a Fonte, dentro de mim ela começou a jorrar, como uma coisa linda. Fui para casa dormir e, quando acordei, percebi que estava diferente. Aquela angústia que eu carregava, aquele buraco negro que tinha dentro de mim não estava mais lá.

E eu procurei. Tentei simular uma ansiedade (para testar rs), mas eu estava em paz. Uma paz que nunca senti. Uma alegria tão estável, tão tranquila… Havia um rio. De repente, onde um dia foi deserto, agora tinha água à vontade. E as cores ficaram mais vibrantes. As árvores começaram a crescer e dar frutos muito doces. E minha vida se transformou em algo que eu jamais imaginei ser possível. 

Eu, que antes era sombra, me tornei luz. E, como a sombra que nunca conheceu luz, eu acendi com toda a força. Não aceito apagar. Não aceito meia-luz. A intensidade é da urgência. O tempo é curto. A vida que eu tenho é um presente. Eu a recebi para levar a outras pessoas a notícia de que é possível. 

O jardim que sou hoje é muito mais do que sonhei quando tinha aquele jardinzinho com patinhos diminutivos na infância. Eu morri. E nasci de novo no Paraíso. Do lado de fora, há guerras, barulhos, ameaças e perseguições, mas dentro de mim, paz. Se antes o rádio estava ligado 24 horas, hoje eu medito no silêncio para dormir. Sem remédio para acordar. Sem remédio para dormir.

Eu ganhei, sem merecer, aquilo que Ele também quer lhe dar.

Lembre-se disso na sua próxima oração.

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#JejumdeDaniel  #Dia21

* Chegamos ao fim de uma jornada de 21 dias de jejum de informações e entretenimento chamado Jejum de Daniel. Durante esses dias, os posts no blog foram voltados exclusivamente para o crescimento espiritual.

 

14 Comments on O deserto em mim

  1. Oi, Vanessa. Seus textos me ajudam muito. São excelentes. Gostaria tanto que você escrevesse todo dia rsrs quando vai postar de novo? Aguardo ansiosa.

  2. Me identifiquei muito com seu texto, Vanessa. Do início ao fim. Em cada vírgula e ponto final. Eu já li sobre seu testemunho e também sofri com esse deserto chamado depressão, que me fazia mergulhar na ansiedade, na vontade de dormir para sempre. Até que conheci essa Fonte, que tornou tudo em mim um manancial. Nunca um texto expressou tão detalhadamente o que fui… Que incrível! Deus te abençoe.

  3. Querida Vanessa, naquele dia, em que você pela sede de ter água para dar para aquelas pessoas, recebeu o Espírito Santo, não sabia que poderia fazer tanto por alguém. Digo isso porque esse alguém sou eu e olha… Você não sabe o que acabou de fazer!
    Um abraço muito carinhoso!

  4. Vanessa, não sei como externalizar minha gratidão pelos posts diários, realmente foi muito proveitoso. E continuarei acompanhando o blog, esperamos mais postagens rs
    Entendi que a teimosia (perseverança ) deve continuar. Tem sido difícil livrar-me da religiosidade, dos meus” conhecimentos ” e lutar contra os sentimentos para finalmente encontrar a Vida. Sempre que eu pensar em desistir vou reler os post do jejum, com certeza irão me ajudar.
    Muito obrigada.
    Deus te abençoe

  5. Minha gratidão por nos servir com belos textos inspirados pelo Espirito Santo durante esses 21 dias.
    Voce deveria escrever livros! Tem muito a nos inspirar.
    Seus textos falam direto na alma da gente.
    Um beijo carinhoso e um abraço caloroso direto da Noruega, onde moro. ;*
    Patricia Couto

  6. Muito lindo Vanessa!!!! Sabe quando a gente sente uma coisa mas não consegue expressar? Como quando se ouve uma música que diz o que você sempre quis dizer mas nunca encontrou as palavras? É assim que me sinto ao ler o seu post de hoje. Obrigada por escrever nesses 21 dias. Creio que não tenha sido fácil mas Deus falou através de cada postagem sua 🙂

    Um outro exemplo de texto que expressa o que sinto e tem muito a ver com o que você escreveu, é do C. S. Lewis no livro The Last Battle:

    “I have come home at last! This is my real country! I belong here. This is the land I have been looking for all my life, though I never knew it until now.”

  7. Acompanhei todos seus textos durante esse Jejum de Daniel, cada um deles falou comigo e me ajudou muito (e tem ajudado) na minha vida espiritual. Obrigada pela disposição em nos ajudar através deles. E lembrarei do que foi dito nesse post amanhã (domingo). Se você quiser nos privilegiar com mais textos nos próximos 21 dias, fique a vontade! kkkk 😉

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