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A sociedade tenta convencer as pessoas de que a identidade delas tem a ver com alguma característica física ou com algo deste mundo físico: cor da pele, etnia, peso, gênero, textura dos cabelos… Assim, tenta encaixar cada um em grupos rotulados, de acordo com características externas, prometendo uma sensação de pertencimento que nunca virá.

Muitos percebem a verdade quando ficam idosos e o corpo passa a não cooperar. Estou vivendo uma amostra grátis disso. Luto contra a disautonomia, uma espécie de “mau contato” nas funções automáticas do organismo, causada por um defeito genético. Desde que o problema se agravou, habito um corpo que não me obedece.

Nunca ficou tão claro para mim que eu não sou um corpo. Às vezes meu corpo está exausto, sem energia, a pressão muito baixa, e eu, lá dentro do corpo, tenho um milhão de planos e quero fazer um milhão de coisas, mas não consigo, porque ele não obedece. Outras vezes, tenho que parar o que estou fazendo porque os músculos do meu corpo estão fracos e as articulações, sobrecarregadas, doem. Mas, por mim, ficaria horas naquela atividade.

Eu quero comer, mas meu corpo nem sempre digere, eu quero ficar em pé por muito tempo, mas meu corpo nem sempre consegue fazer o sangue chegar à cabeça nessa posição. Quero andar mais, mas meu corpo acha que está escalando uma montanha e fica extremamente cansado com pouca coisa. Quero passar uma tarde no parque, mas meu corpo não regula a temperatura e passa mal no calor.

Quando alguém me pergunta como estou, minha vontade é responder que estou bem, porque, de fato, EU estou bem. Quem ainda não está bem é meu corpo. É impressionante o quão nítida é essa diferença hoje e o quão clara é esta verdade:

eu não sou meu corpo.

Eu não sou visível. Não sei qual é a minha forma, não conheço minha real aparência. Não sou branca, não sou negra, não sou parda, vermelha, amarela ou azul. Não sou gorda, não sou magra, não sou alta nem baixa. Não tenho nenhum problema genético. Não tenho doença, não tenho deficiência. O que meu corpo tem não me afeta. Cuido dele, sei que vai ficar bem, mas cuido, principalmente, de mim.

Eu, que estou dentro deste corpo que às vezes parece tão mais pesado do que realmente é. Eu, que preciso dizer para o meu cérebro o que ele deve fazer ou pensar. Eu, que escolho pensar no que é bom e rejeitar o que faz mal. Eu, que cuido deste corpo que tantas vezes não coopera, que vou além do limite dele para chegar ao mínimo aceitável. Eu, que não reflito no espelho, que não pertenço a este mundo, que uso os braços deste corpo, que sinto as dores deste corpo e assim conheço as dores de outros corpos. Corpos que guardam outras pessoas, que nem sabem quem são. Acham que são seus corpos, porque nunca tiveram que lutar contra eles. Vivem, iludidas, a vida dos corpos. E não sabem por que nunca se completam. Porque não são seus corpos.

Eu não sou visível. Não conheço minha aparência. Minha identidade não é cor, não é gênero, não é local de nascimento ou massa corporal. Minha identidade são as escolhas que faço. Não sei como eu me movo, só sei dirigir um corpo que mal responde. Aprendo a dirigir. Não importa os defeitos que ele tem, estou feliz por ter este corpo. Ainda que pesado, ainda que difícil, ainda que rebelde. Pelo tempo que estiver dentro dele, vou fazer o máximo, com todas as minhas forças, para levar a outras pessoas a consciência de que elas não são corpos. Essa consciência tinha quem escreveu:

“Por isso não desfalecemos; mas, ainda que o nosso homem exterior se corrompa, o interior, contudo, se renova de dia em dia.” (2 Coríntios 4.16)

E completou: “Não atentando nós nas coisas que se veem, mas nas que se não veem; porque as que se veem são temporais, e as que se não veem são eternas.” (2 Coríntios 4.18)

É uma sabedoria que o mundo de hoje desconhece — ou finge não conhecer.

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16 Comments on Sobre a sua verdadeira identidade

  1. Vanessa, como é bom ler seus textos! Deus sempre a usa para falar comigo! Muito obrigada por permitir ser usada por Ele!
    Passo por uma luta com relação a minha saúde também, e seu texto me fortaleceu e abriu os meus olhos para o que realmente importa: Eu não sou o meu corpo!
    Deus a abençoe muito!

  2. Excelente texto, num mundo em que o apelo pelo visível e palpável é cada vez maior (e até serve para difundir ideologias diversas), nada melhor que observar para além do que os olhos físicos podem ver, porém, que está bem diante (ou dentro) de nossos corpos.

  3. Os seus textos sempre me trazem para mais perto de Deus.
    Venci batalhas terríveis na mente com ajuda dos seus posts; Deus sempre falava comigo.
    Vivo relendo.
    Agradeço a Deus por compartilhar experiências suas aqui com agente.
    Estarei orando por você!
    #euTbmNaoSouOMeuCorpo

  4. Um belo texto. Parabéns! Impressionante como é possível ver através de suas palavras e enxergar Deus. Que bom que você usa seu talento em prol do Reino! Inspirador!

  5. Olá Vanessa! Quero deixar registrado o quanto você nos agracia com o seu jeito de escrever e expor não sua opinião, mas os fatos como verdadeiramente são. O que você tem é um talento que Deus lhe deu. O talento de usar as palavras e coloca-las com sabedoria. Que esse Deus que tudo sabe, venha lhe conceder a força física e principalmente, a espiritual para que você vença essa fase e permaneça. E possa continuar nos presenteando com suas palavras. O meu muito Obrigada.

  6. Um dos textos mais lindos e verdadeiros que já li na vida. Que Deus te abençoe muito, Van.

  7. “Minha identidade são as escolhas que faço.” Como queríamos que todos entendessem isso!

    Melhoras para o seu corpo… estarei orando por isso!

  8. VALHA-ME, DEUS! Que prosa-poética-reflexiva! Viajando nas suas linhas, imaginei sua história, percebi sua luta, e, quase que tangível, vi sua fé.
    Orando por ti…

  9. Como as coisas seriam mais simples se as pessoas tivessem conhecimento disso.
    PS. Até que enfim o primeiro texto do ano saiu, né Dn. Vanessa? rs enquanto isso eu tava lendo os dos anos anteriores, Deus sempre fala comigo por aqui. Abraços!

  10. Muito Forte! Já ouvindo algo parecido de um obreiro: “Não somos um corpo com uma alma, somos uma alma dentro de um corpo”. Nossa alma não tem forma definida, cor ou sexo e precisamos lutar pra que ela sempre esteja bem com Deus, lutar pela salvação e manutenção dela.

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