exaustaPlena

Vinícius Silveira – Lembro-me de em alguns posts você falar sobre um certo cansaço que sentia. Já eram sinais ou eles apareceram de uma hora pra outra?

V – Não posso afirmar, pois não sei qual foi o post, mas é muito provável que já fossem sinais (a menos que tenha sido algum cansaço natural, justificado, por eu ter feito alguma coisa realmente cansativa rs). Os sintomas foram aumentando gradualmente, tive períodos de melhora e piora, mas consigo identificá-los claramente a partir de 2006, que foi quando a saúde começou a se deteriorar lentamente (mas sempre dava para atribuir a alguma outra coisa, como problemas hormonais, falta de água, estresse — perdi a conta de quantos médicos disseram que era estresse… — cada hora alguém sugeria uma causa diferente, eu tratava, melhorava um pouco e depois piorava de novo. Às vezes tinha outro problema associado, melhorava o problema associado e eu ficava na ilusão de estar melhor). 

De 2014 para cá a piora foi progressiva, até chegar a um ponto que não consegui mais segurar sozinha e nada que eu fazia era capaz de melhorar (isso no final de 2017). Essa piora maior a partir de 2014 se deu quando me senti mal na academia e fui ao cardiologista, que me pediu vários exames e orientou a suspender a atividade física enquanto não descobríssemos o que era… Suspendi a atividade física, fiquei super sedentária e meu quadro piorou (porque disautonomia piora com inatividade). Agora preciso voltar a conseguir fazer exercícios, porque isso vai me ajudar a melhorar.

Aliás, acho que o problema todo foi justamente a piora não ter sido de uma hora para outra. Como foi gradual, fui me adaptando às limitações e demorei para perceber que tinha alguma coisa séria acontecendo. Aliás, isso é meio padrão na vida, pensa bem, se o problema vem de uma vez, de uma hora para outra, a gente se assusta e procura ajuda. Mas se a água da panela vai esquentando lentamente, quando a gente vai ver, já está cozido. Por isso nossa tolerância a situações ruins não pode ser muito elástica. Não dá para ir “empurrando com a barriga” alguma coisa que você percebe que está te prejudicando. 

Camila Gomes – Você já nasceu com alguma doença ou desenvolveu depois de adulta? Ou já tinha e os sintomas começaram a aparecer nos últimos anos? 

V – Então, resposta complicada rs. É um problema que já existia, mas que só se manifestou como “doença” depois. Eu não sabia, mas nasci com uma mutação em um gene que faz a síntese do colágeno. O colageno é a “cola” do corpo, e o meu é defeituoso, o que faz o corpo ser mais frágil. Na verdade, ninguém sabe direito ainda como é o mecanismo que leva essa mutação a desenvolver todas as complicações que ela pode desenvolver (a tal Síndrome de Ehlers-Danlos), e como é algo que está no corpo todo, pode piorar mais uma função e menos a outra, variando de pessoa para pessoa. No meu caso, existe até a possibilidade de que a cardiopatia que eu tive ao nascer esteja ligada à disfunção autonômica e ao problema do colágeno, ou seja, a doença poderia estar presente desde que eu nasci, mas ninguém sabia. 

Hoje consigo identificá-la em vários pontos da minha vida: no cansaço fácil do qual eu reclamava em praticamente todos os meus cadernos (piorando a partir dos 14 anos), nos formigamentos das pernas, nas dores das mãos (que me levavam a imobilizá-las várias vezes e me fizeram escrever com as duas), na falta de sede, na falta de fome, em vários problemas durante a vida que os médicos não identificavam. Muitas coisas eu sequer achava que eram sintomas. E me acostumei a sempre me forçar além dos meus limites para fazer alguma coisa, ou nunca faria nada, porque me canso muito antes das pessoas normais. 

Resultado: eu tinha muito mais resistência a trabalhar exausta, e ninguém percebia, o que paradoxalmente fez de mim uma pessoa mais forte rs. É meio parecido com o que o Bp. Renato disse esses dias, sobre tempos difíceis fazerem pessoas fortes. No meu caso, as dificuldades me fizeram mais forte por dentro e por fora, e creio que recuperarei essa força exterior em breve. E é verdade: quando as coisas são mais difíceis, quando as outras pessoas não levam suas dificuldades a sério e quase ninguém te dá apoio, você acaba tendo duas opções a escolher: ou fica se vitimizando e fazendo drama, se sentindo “a injustiçada” e sofrendo; ou se levanta, aprende a confiar em Deus e fica mais forte. Não dá para viver muito tempo nessa primeira opção (ao menos não quando você quer VIVER, de verdade), então a gente fica mais forte e deixa de se permitir ser colocada como vítima das circunstâncias. 

Samara Brion – Gostaria de saber quais sintomas sente, quando descobriu a doença.

V – Os sintomas principais da disautonomia, no meu caso, são: fadiga incapacitante (sensação de exaustão física) mesmo deitada, sonolência (geralmente causada por pressão baixa ou frequência cardíaca baixa), cansaço absurdo quando estou em pé (como se subisse uma montanha), gastroparesia (a digestão simplesmente para. Eu já cheguei a vomitar à noite o que tinha comido de manhã ou no dia anterior – eca). Brain fog (“névoa cerebral”: falta de concentração, raciocínio lento, dificuldade de encontrar palavras, cansaço mental…nesses dias eu tento ficar longe da internet, para não ficar escrevendo “unicóórnio” nas redes sociais hahaha), estase venosa (acúmulo de sangue nas extremidades, principalmente nos pés e pernas quando em pé, chegam a ficar vermelhos ou arroxeados, por isso uso meias elásticas), falta de equilíbrio (um dos motivos de eu estar usando um bastão de caminhada, tipo o cajado de Moisés rs). Mas tenho dias bons, em que essas coisas todas estão mais atenuadas e consigo sair de casa.

E os sintomas que são usados como critério diagnóstico para POTS (o tipo de disautonomia em questão): frequência cardíaca em pé sobe mais de 30 batimentos por minuto e se mantém assim nos primeiros 10 minutos. Por exemplo, em repouso costuma estar em torno de 55, em pé pula para 120 e não diminui. Isso não é normal e mostra uma disfunção autonômica (disautonomia), porque o sistema nervoso autônomo é a parte do sistema nervoso que regula as funções automáticas do corpo (como frequência cardíaca, pressão, circulação, digestão, respiração…). O normal é um aumento de uns 10 batimentos por minuto, por exemplo, a pessoa em repouso está com 60bpm e em pé vai a 70 bpm. 

Investigo esses sintomas desde 2014, mas o diagnóstico só veio no final de 2017, mesmo com o tilt test (exame capaz de detectar) positivo desde 2015… (cardiologista “muito bom” #sqn que eu tinha não entendia nada)

Gabriela Alves – Com a doença, você deu um tempo no trabalho?

V – Sim, infelizmente. No final de 2018 (antes das eleições), acabou a bateria de vez e tive que parar. Ainda não estou conseguindo fazer a mesma coisa todos os dias, gastar energia mental e física em produção de textos argumentativos com pesquisa, edição de texto de outros autores (o que exige um trabalho absurdo de atenção, porque a responsabilidade é grande) e avaliação de conteúdo, que é outro trabalho bem complexo e detalhado. Mas estou melhorando (pela fé) e sei que logo vou conseguir ter condições de voltar. Aliás, justamente por isso estou me forçando a escrever mais, a estudar, a postar no blog… 

Gabriela Alves – Como é sua rotina?

V – Entendo “rotina” como um conjunto de coisas que as pessoas fazem todos os dias em horários pré-definidos, é isso? Ainda não consigo ter isso, porque tudo depende de como estou no dia. Mas estou tentando fazer uma. Por favor, me explique o que as pessoas querem saber quando me perguntam isso. É sério, sempre me perguntam e eu não sei responder, por favor, me ajude, detalhe um pouquinho mais rs. 

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PS1. Acho que a grande utilidade de falar sobre essas doenças é deixar mais forte o testemunho quando eu me livrar delas, afinal de contas, vocês acompanharam o horror, serão minhas testemunhas da vitória. 🙂 

PS2. A disautonomia não é exclusividade da síndrome de Ehlers-Danlos, ela pode vir também como consequência de outras doenças, até de algumas mais comuns, como diabetes e esclerose múltipla (que é rara, mas é mais comum que SED, ou ao menos mais diagnosticada). E pode acontecer em idosos, pela própria idade mesmo. Pode aparecer como sequela de uma virose forte ou mesmo de uma cirurgia. Eu costumo dizer que é como um mau contato na fiação. Tem gente que consegue ter uma vida quase normal com ela, tem gente que está mais esgualepada que eu. Tudo depende do nível de comprometimento. A maioria das informações úteis está em inglês, inclusive uns banners informativos do Facebook da Dysautonomia International, que seria algo muito útil de ter em português, mas aos poucos as coisas vão chegando.

Se alguém quiser links em português sobre o assunto, esse fala sobre a POTS https://sobrepots.blogspot.com/2017/10/sindrome-da-taquicardia-postural.html  Este é sobre as adaptações de estilo de vida que costumam melhorar o quadro (ou evitar coisas que pioram) https://sobrepots.blogspot.com/2017/09/adaptacoes-de-estilo-de-vida-para-pots.html 

PS3. Sobre a SED, essa matéria com a história das irmãs Julia e Luana talvez exemplifique melhor toda a complicação e a questão da falta de médicos especializados no Brasil. O tipo delas é mais grave porque pode causar ruptura de órgãos e aneurismas, levando à morte, mas fora isso os sintomas no geral são bem semelhantes. https://www.gazetadopovo.com.br/viver-bem/saude-e-bem-estar/irmas-sindrome-ehlers-danlos-lutam-contra-preconceito/ É uma doença muito esquisita, convenhamos.

PS4. Fiz um post com cara de entrevista, pinçando só as perguntas dos comentários de vocês, mas li tudo que vocês escreveram, tá? 

PS5: Daqui a pouco coloco a parte 2, depois a parte 3… os próximos assuntos são: saída de pastores, fé, gremlins e livros. 😀

PS6: Fiz algumas pequenas edições nos comentários: Recortei só as perguntas, para ficar com cara de entrevista, e quem fez mais de uma pergunta, elas vão aparecer separadas, não briguem comigo rs. E troquei os “senhora” por “você”, para uniformizar. 🙂

PS7. Se alguém tiver mais alguma pergunta, fique à vontade para fazer. 🙂 

5 Comments on Perguntas dos leitores, parte 1

  1. Vanessa, sua história muito me tocou.
    Orarei e pedirei à Deus para que sua cura chegue logo. Espero que você de notícias positivas em breve.
    Que a sua dificuldade e cura sirvam como testemunho para salvar muitas almas.
    Sei que Deus cura qualquer doença, pois na minha igreja tem um menino curado de AIDS, uma senhora curada de lúpus e a esposa do pastor que foi curada de um câncer avançadissimo (foi até desenganada pelos médicos, mas hoje está muito saudável).

    Continue confiando em Jesus, pois ele não falha.

    “Pois o Senhor ama a justiça e não desampara os seus santos. Eles serão preservados para sempre, mas a descendência dos ímpios será exterminada”. Salmos 37; 28

  2. Sobre a rotina perguntei por curiosidade de saber como é seu dia a dia mesmo com as limitações da doença (creio que seja o motivo da maioria rs). Por não ter muito conhecimento sobre ela e por você estar ausente do blog, surgiu essa questão. Mas como foi explicado quais os sintomas deu para ter uma noção.

    Abraços

  3. Oi Vanessa, obrigada por compartilhar essas informações sobre essa síndrome conosco e tenho certeza que Deus está a frente de tudo e que você será curada pra honra e glória do Senhor Jesus. Serei testemunha do seu testemunho

  4. Olá Vanessa,
    Acompanho seus posts e gosto muito quando o aviso de um novo post aparece!

    Tenho algumas perguntas também…

    Você pretende escrever um livro? Acho que em algum momento você comentou algo, mas não tenho certeza.

    Gosto muito das dicas de livros e estou aguardando mais indicações

    Sobre rotina… gostaria de saber como você organiza suas atividades da vida cristã… queria dicas para leitura da bíblia… jejum… oração… enfim… como você se mantém em ligação com Deus.

    Que Deus te abençoe ainda mais

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