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Apesar do que diz um hoax espalhado por aí, a Universal não faz oração pelos mortos no dia dos finados (nem em dia nenhum). Não há na Bíblia nenhuma indicação de que deveríamos fazer. Pelo contrário, diz que todas as chances de salvação se encerram com a morte e que não há mais possibilidade de ser ajudado depois que sua vida acaba. Há céu e inferno, nenhum lugar intermediário. E não se pode passar do céu para o inferno ou vice-versa. A situação após a morte, seja ela qual for, é imutável.

Mas, se a Bíblia é contra essa prática, de onde isso surgiu? Essa, especificamente, veio de uma tradição pagã celta. Durante o festival de Samhain, que ia de 30 de outubro a 2 de novembro, as pessoas homenageavam os mortos e os deuses que, para os celtas, também eram seus ancestrais. O cristianismo iniciou sem nada dessas coisas, mas depois que foi institucionalizado e absorvido pelo catolicismo, começou a fusão com práticas pagãs. Assim, o festival de Samhain se dividiu em Dia dos finados (homenagem aos mortos) e Dia de todos os santos (homenagem aos deuses).

Como sempre digo, é importante saber por que você faz as coisas que faz — antes de decidir continuar ou não fazendo. A base do ato de orar pelos mortos está na crença de que existe o purgatório, um lugar intermediário, entre o inferno e o céu, para onde a pessoa iria purgar seus pecados até poder entrar no céu. Convenientemente, seria necessário pagar missas, fazer orações e comprar indulgências, caso quisesse sair mais cedo do purgatório.

Se cremos que a Bíblia deve ser respeitada como base para a nossa fé, não cremos no purgatório, já que ela é bem clara quanto a haver apenas o céu e o inferno como destinos finais da alma, e não cita purgatório algum*. E, se não cremos no purgatório, não faz o menor sentido orar pelos mortos. Deus não ouve essa oração, pois ela não tem fundamento. Se Deus não ouve essa oração, para quem você está orando?

A cultura é tão arraigada aqui no Brasil que há cristãos protestantes que visitam túmulos nesse dia. Alguns se sentem culpados se não o fizerem. Sou contra essa prática, primeiro por ser originada de um culto pagão (o que, por si só, já mostra que tipo de influência espiritual rege essa celebração). Segundo, porque não creio que, espiritualmente falando, faça bem a alguém visitar o túmulo de um parente morto. Primeiro, porque a pessoa não está mais ali. Segundo, porque não vai adiantar orar por ela – muito menos acender velas. Terceiro, porque vai trazer de volta à sua memória tudo o que você viveu e isso fragiliza emocionalmente. A fragilidade emocional é uma porta aberta para o mal que vem desenterrar culpas, dores, mágoas e tristeza.

O período do luto é importante, para processarmos a perda. Mas ele deve acabar pouco tempo depois da morte da pessoa e não ser renovado uma vez por ano. O que você tem de fazer pelos seus parentes, faça enquanto estão vivos. Depois de mortos, não vai adiantar esforço algum para aplacar sua consciência levando flores ao túmulo e tendo conversas post-mortem que não teve durante a vida.

Lide com o fato de que você fez o que sabia fazer com os recursos que tinha. Por exemplo, hoje eu teria outro tipo de relacionamento com o meu pai. Mas, quando ele morreu, eu não sabia o que sei hoje. Então, o relacionamento que tive com ele foi o que eu sabia ter. O que me resta é fazer o meu melhor por quem está vivo hoje. E ensinar outras pessoas a entenderem seus próprios pais e não exigirem deles mais do que eles têm condições emocionais de dar.

Lutamos por outro tipo de mortos: aqueles que, apesar de ainda respirarem, terem um corpo e caminharem por este mundo, estão longe de Deus. Porque, se Deus é vida, quem está longe dele está morto. Por esses mortos vivos ainda podemos orar. Eles valem nosso esforço. Eles valem nossas noites em claro, nossas orientações, nosso direcionamento. É por eles, os sofridos deste mundo, que oramos e lutamos. É pelos que vivem angustiados, deprimidos, desanimados e cansados que buscamos.

Esses vivos mortos podem tornar a viver, por isso, lutamos por eles. E não acendemos velas por eles, mas acendemos nossa própria luz, para que nos vejam e enxerguem o caminho. Ao ganharem vida novamente, isto é, ao terem uma experiência pessoal com Deus (não uma experiência religiosa), tudo mudará. Serão vivos. E, quando o corpo morrer, eles continuarão a viver, pois estarão com o Autor da vida. É isso que significa “Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em Mim, ainda que esteja morto, viverá; e todo aquele que vive, e crê em Mim, nunca morrerá” (João 11.25,26).

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*Antes que algum católico surja do além aqui citando Macabeus para dizer que há base bíblica para a doutrina do purgatório, explico: Macabeus é apócrifo e não faz parte da Bíblia original (e nem da que utilizamos hoje, está presente apenas na Bíblia católica, à qual foi acrescentado). O próprio autor do livro sabia que ele não era divinamente inspirado, tanto que escreveu: “…finalizarei aqui minha narração. Se ela está felizmente concebida e ordenada, era este o meu desejo; se ela está imperfeita e medíocre, é que não pude fazer melhor” (2 Macabeus 15).