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Sobre o filme Ressurreição

Depois de muito tempo sem resenha, temos aqui hoje uma super resenha de um FILME! Soube que o filme Ressurreição (Risen) vai estrear no catálogo do Univer dia 1 de agosto e me perguntaram se eu já vi e o que achei. Como os trailers de divulgação revelam bastante sobre o filme, não creio que seja problema falar de alguns detalhes. Mas não quero só falar da história, porque isso você consegue em qualquer lugar. O que quero é falar sobre a experiência de assistir a este filme e o que ele me passou.

A primeira vez que ouvi falar de “Ressurreição” foi em um trailer no cinema. Na hora, fiquei desconfiada, porque parecia muito bem produzido e trazia atores conhecidos de Hollywood, como Joseph Fiennes e Tom Felton (traumatizada por causa do Noé, do Aronofsky, que era bem produzido, com atores famosos, mas não tem nada de bíblico). No entanto, Ressurreição foi uma grata surpresa. 

O filme, do cineasta Kevin Reynolds, conta a história da ressurreição de Cristo pelos olhos de Clavius, um romano incrédulo, inicialmente devoto de Marte, o deus romano da guerra (dá uma certa peninha da oração que ele faz a Deus diante da estátua de Marte…tipo, sem noção alguma o rapaz).  Clavius é um tribuno militar (tribuno era uma patente militar superior ao centurião) que é incumbido por Pilatos da ingrata tarefa de encontrar o corpo de Jesus. O filme começa com um Clavius maltrapilho e sozinho, que conta sua história para o equivalente a “dono do bar” da região. 

De cara, descobrimos que Barrabás não durou muito. Não reparei nisso da primeira vez que assisti, mas Clavius e seus soldados debelam uma rebelião e o líder dos rebeldes é Barrabás, que havia sido solto poucas horas antes, no lugar de Jesus, que foi crucificado. Sim, isso é um pequeno spoiler, mas comento porque fiquei chocada com o fato de não ter notado esse detalhe da primeira vez (meu marido também não notou). Por isso é importante assistir mais de uma vez aos filmes que a gente gosta. Alguma coisa sempre passa despercebida enquanto ainda estamos nos ambientando à história (pelo mesmo motivo, também costumo ler mais de uma vez os livros de que gosto).

Clavius é um homem ambicioso. A História conta que muitos tribunos na época usavam a posição para tentar uma vaga no senado. Com Clavius não é diferente. Em certo momento, ele confessa que seu sonho de ter posição e poder em Roma é em busca de ter uma família, paz e um dia sem morte. Fiquei pensando nesse diálogo e no quanto ele resume a busca de cada ser humano. Todo mundo quer segurança para sentir paz e ter vida. 

Pense bem. Tudo o que as pessoas buscam tem como objetivo final vida e paz. Querem família para ter segurança, e querem segurança para ter paz e vida. Até a corrida atrás de dinheiro e poder, que vemos diariamente, não é pelo dinheiro ou pelo poder, em si. As pessoas querem dinheiro e poder em busca de segurança, para ter paz e poder sentir um pouco de vida dentro de si. Um dia sem morte, que Clavius tanto anseia, não é apenas um dia sem matar ou sem ver sangue. É um dia sem aquela sensação de ausência de vida, sem aquele vazio que causa tanta insegurança e medo. 

Muitos hoje estão vivendo dias de morte. A morte chamada depressão, a morte chamada ansiedade, a morte chamada medo, a morte chamada vazio, a morte que se traduz em dias inúteis, em dias sem sentido, em dias de tédio que a pessoa tenta disfarçar com festas, luzes, bebida, drogas, remédios, amizades, namoros, ideologias, leituras, jogos, vídeos, entretenimento ou qualquer outra coisa que a distraia da morte que arrasta seus dias. Essa era a dor de Clavius, que podemos ver com clareza em seu olhar cansado.

O aspecto do filme em sua primeira parte realmente transmite bem isso. A impressão que tive é que o ambiente estava sempre sujo, quente, com pessoas suadas e mosquinhas onipresentes (deu uma certa agonia das mosquinhas, confesso). Os cenários são bem fiéis ao local e à época e tudo no filme ajuda a contar a história. Realmente me senti vivendo tudo aquilo com Clavius. 

Como a narrativa é mostrada pelo ponto de vista de Clavius, toda a história da morte e ressurreição nos parece meio distante, de início. Achei isso muito positivo, é como olhar uma escultura conhecida por outro ângulo e poder observar detalhes ainda não vistos. Clavius não tem o menor interesse nos judeus. Parece estar sempre cansado e entediado. Depois de matar Barrabás, é incumbido por Pilatos da tarefa de quebrar as pernas de Jesus, para apressar Sua morte. Quando chega em frente à Cruz, encontra Jesus já morto (e o ator que faz Jesus sabe fazer uma cara de morto bem morto mesmo — assustador). E é neste momento que a história dele começa a caminhar junto da história que conhecemos. 

O tribuno fica encarregado também de selar o túmulo de Jesus e deixar guardas romanos cuidando do local (o cara pega os piores trabalhos). Quando Pilatos o chama novamente, é para reportar que o sepulcro foi aberto e o corpo desapareceu. Ele se oferece para investigar, e Pilatos exige que encontre o corpo (tô falando, piores trabalhos). Nessa nova e inútil missão, as mosquinhas se multiplicam, porque o tribuno decide desenterrar corpos de pessoas que morreram recentemente e revirar os dos crucificados (que nem enterrados eram). É como se Clavius descesse ao fundo do poço da morte, e o espectador sente isso (eu, pelo menos, senti). 

Até que ele decide perseguir os seguidores de Jesus para, através deles, descobrir a verdade sobre o que aconteceu com o corpo. Durante os interrogatórios, as palavras dos seguidores de Jesus os fazem parecer loucos aos olhos de Clavius, e aos meus olhos também, porque eu estava vendo tudo através dos olhos dele. Um bando de malucos, mas aquelas palavras e aquelas convicções começam a intrigar o tribuno. Ele desconfia da história de um dos guardas do sepulcro e consegue uma revelação surpreendente do outro. Ao mesmo tempo em que a narrativa dele parece fantástica, ela causa em Clavius um profundo temor sobre o que estaria realmente acontecendo. Sua busca, primeiro, é pelo corpo (morte). Depois, passa a ser pela verdade (vida). E creio que foi esse desejo profundo de encontrar a verdade que fez com que Clavius, enfim, a encontrasse.

Obcecado pela verdade, Clavius acaba se encontrando com o próprio Jesus, vivo e sorridente, e sabe que precisa segui-Lo para entender o que aconteceu. A partir daí, os discípulos não parecem tão loucos (só um pouquinho), e a gente vai se familiarizando com eles e com o discurso deles aos poucos, à medida que eles se tornam menos estranhos para Clavius. O filme realmente nos leva pela história através dos olhos desse personagem. É muito bem executado. 

Não vou entrar em detalhes do encontro de Clavius com Jesus, porque são partes do filme que merecem ser observadas atentamente, sem minha interferência (e porque o trailer deixa isso de fora, então tudo o que eu disser será super spoiler). O que posso dizer é que, a partir do momento em que ele começa a buscar a verdade, dá para perceber uma mudança sutil no ambiente e em Clavius. As mosquinhas diminuem (ufa!), tudo fica mais leve e mais fácil de respirar. Em sua jornada com os discípulos e Jesus, a impressão que eu tive é que antes ele estava sedento e, agora, bebe um gole de água a cada encontro. Em seu olhar, seu leve sorriso maravilhado com o novo mundo que se abre para ele, ainda sem saber se o que está experimentando é real ou se é bom demais para ser verdade. No final, ele chega a uma conclusão.

Estava pensando no filme, quando o assisti pela segunda vez, e creio que tudo nessa história é, de certa forma, simbólico. Vejo a jornada de Clavius como uma metáfora da vida cristã, desde os momentos de incredulidade, em que se combate contra a fé, passando pela ignorância do início até a hora em que a pessoa começa, de fato, a crer e aquilo, enfim, muda a sua vida por completo. 

“Ressurreição” é um filme que vale muito a pena ser visto com olhar de quem mergulha na história para viver, na pele do tribuno, o que todo mundo que busca “um dia sem morte” deveria viver. 

O único ponto que eu mudaria, no finalzinho, eu já resolvi na minha imaginação (a gente sempre preenche lacunas com a imaginação, não é?). O filme termina antes da história de Clavius ter um fim, então não sabemos o que ele vai fazer após sua última cena com Pedro. Na minha cabeça, ele depois reencontra os discípulos, recebe o Espírito Santo e ajuda na evangelização dos gentios e na formação das primeiras igrejas. Esta, aliás, seria uma excelente continuação da história. 

 

 

PS. Já disse, mas é bom lembrar, para quem passou batido pela informação no primeiro parágrafo: A partir desta segunda, dia 1 de agosto, “Ressurreição” entra no catálogo do Univer, então estará disponível para os assinantes que quiserem assistir a qualquer horário e dia.

PS2. A propósito, atualmente o Univer é a única plataforma de streaming que estamos assinando aqui em casa. Além dos filmes, novelas bíblicas e documentários, tem meus conteúdos preferidos: as reuniões, o programa Entrelinhas e a Escola do Amor. Cansamos de passar raiva com a outra (você sabe qual) que assinamos durante anos…

PS3. Curiosidade: A primeira vez que vimos o trailer deste filme foi no cinema, minutos antes da exibição do filme Os Dez Mandamentos

PS4. Se inscreva em nosso canal privado no Telegram, por onde você pode ser avisado sempre que tiver post novo aqui ou vídeo novo no canal (não desisti dos vídeos, não). Sempre aviso lá primeiro, antes das redes sociais. Segue o link: https://t.me/joinchat/Sc3ZPNTs98TL20OP

Filmes Que Não São O Que Parecem – Noé

Traída por um trailer. Foi assim que me senti durante a exibição de “Noé”, do cineasta Darren Aronofsky. Quando vi o trailer, fiquei maravilhada. Os efeitos especiais, o clima da época, a cena em que o líder dos inimigos diz a Noé: “ Tenho soldados à minha disposição e você sozinho me desafia?” Então, Noé, confiante e tranquilo, responde: “Eu não estou sozinho.” –  Uau! Há muito tempo esperava uma superprodução das histórias maravilhosas do Antigo Testamento. Com os recursos que temos atualmente, daria para fazer cenas grandiosas. Mas…era tudo falso, meus amigos. Cada cena daquele trailer foi cuidadosamente montada para enganar a mim e a você.

Não é nem questão de o filme não ser fiel à Bíblia apenas. É muito pior do que isso. Ele simplesmente conta outra história. Se fosse considerar esse filme realmente como uma interpretação do texto de Noé, eu diria que é uma versão satanista. E olha que não sou adepta de teorias conspiratórias, e não saio por aí chamando qualquer coisa de satanista.

Segundo o filme, quando o Criador expulsou o homem do Paraíso, após Adão e Eva terem desobedecido, um grupo de anjos, que sabia que havia algo de bom no homem (afinal de contas, era a imagem do Criador), ficou com pena da humanidade e resolveu descer para ajudar. O Criador, intolerante, entendeu como traição e puniu aqueles anjos, condenando-os a morarem na Terra, amaldiçoados.

Eles eram luz, mas a partir deste momento, se tornaram gigantes de pedra, fisicamente deformados e tortos (algo como um cruzamento dos Ents, do Senhor dos Anéis, com o monstro de pedra, de História sem Fim e algum parentesco com um monstro de lava – todos em grave estado de desnutrição e com problemas sérios de coluna), mas ainda gente boa. Ensinaram ao homem tudo o que sabiam a respeito da Terra, porque eram bonzinhos e queriam ajudar. Se tornaram os Guardiões e acolheram os filhos de Caim.  Só que foram traídos e desprezados pelos homens, que desvirtuaram o que aprenderam.

Siiim, meus amigos, os demônios, segundo esse filme, são apenas seres bem intencionados que queriam ajudar… Na verdade, em todo o filme, os únicos personagens que despertam alguma empatia no público são esses anjos caídos. Estranho, não? A gente chega a sentir pena deles, pois parecem injustiçados. São bons e simpáticos. Você percebe neles respeito por Deus (!!) e os homens os chamam de “servos do Criador”. Essa perspectiva e a distorção do caráter de Deus, do porquê ele escolheu Noé e a distorção do caráter dos próprios demônios (que, na verdade, caíram porque foram egoístas e orgulhosos, nunca tentaram ajudar ninguém), faz com que eu desconfie seriamente que o filme foi inspirado por um demônio que queria se autopromover.

Como não se trata do Noé que a gente conhece, vou chamá-lo de “Nãoé”. :) No início do filme, os filhos de Caim matam o pai do pequeno Nãoé e roubam uma pele de cobra que ele usava para fazer um ritual de “transferência do direito de primogenitura”, algo como tornar-se protetor do meio-ambiente. Os filhos de Caim são malvados porque exploraram os recursos naturais até que a terra se tornasse árida, comem carne, vivem como seres bestiais famintos (isso eu não entendi. O lugar não tem vegetais e os carnívoros é que passam fome?) e não têm educação.

Um dia, Nãoé sonha com gente morta debaixo dágua e entende que o Criador destruirá o mundo. Sabe que tem que fazer alguma coisa, mas não sabe o quê. Como viu também no sonho a montanha em que mora (sozinho) o avô Metusalém, segue para lá com a família. No caminho, encontra um vilarejo destruído e uma menina ferida, Illa, quase da idade de seu filho Sem (todos os filhos de Nãoé são pequenos). Adota a menina. Na estrada, também encontram os demônios gigantes de pedra com problemas de coluna. Desconfiadas, as criaturas não aceitam ajudar a família e deixam todos em uma vala. No entanto, um gigante com cara de dó volta durante a madrugada para ajudá-los a escapar e segue com eles até a montanha.

Vovô Metusalém é uma espécie de bruxo ou xamã. Dá um chazinho alucinógeno para Nãoé, que vê a arca. (Não é Deus que fala com Noé, é o alucinógeno de Metusalém.) Ele também dá uma semente mágica do Éden a Nãoé, que a planta na terra seca. Essa semente é tipo um feijão mágico vitaminado. Quando os outros demônios vêm levar o demônio traidor, entendem que Nãoé realmente falou com o Criador e resolvem ajudar. Uma floresta cresce em cinco minutos (super feijão mágico) e Nãoé vê ali a madeira para a sua arca. Mãos à obra! A família começa o trabalho, mas quem realmente faz a arca é o diabo e os demônios! Em dez anos, concluem o trabalho. (Na Bíblia levou cem anos, mas no filme, com a ajuda dos demônios, apenas dez.)

Nãoé se convence de que nenhum humano merece viver, nem mesmo sua família. Começa a se tornar egoísta e fanático. Se despersonaliza e agora acredita que a missão deles é salvar os animais, que são inocentes, e manter a Terra limpa dos humanos. Humanos, a sujeira do universo. Ele não é escolhido pelo criador por ser bom, mas por ser obsessivo o suficiente para completar a tarefa. Enquanto no original:

“Disse o SENHOR a Noé: Entra na arca, tu e toda a tua casa, porque reconheço que tens sido justo diante de Mim no meio desta geração.” (Gênesis 7.1)

O filme tenta distorcer a noção de “justo” e “justiça”, usando essas palavras fora de contexto diversas vezes, para tentar transformar Noé e Deus em algo que eles nunca foram. Imagino que possa causar confusão na mente de pessoas que não têm muita noção de quem Deus é e se sentem perdidas em um mundo com tanta maldade e injustiça. Sutilmente elas serão levadas a uma interpretação distorcida da mensagem original.

Arca pronta, os animais começam a entrar e são colocados para dormir com uma fumaça-sonífero. Aí, vamos ao anticlímax total: lembra daquela cena do Trailer? Aquela que eu achei superforte, em que o líder dos inimigos diz a Noé: “Tenho soldados à minha disposição e você sozinho me desafia?” Então, Noé, confiante e tranquilo, responde: “Eu não estou sozinho”.

Pois é…no trailer parecia que ele estava falando de Deus. No filme, quando ele diz isso…adivinha? Se levantam atrás dele todos aqueles demônios de pedra. Só pode ter sido de propósito. Quem quer que tenha montado aquele trailer estava realmente a fim de fazer uma piadinha de mau gosto.

Nem a narrativa presta. O filme tem muitas cenas inúteis e sem noção. Por exemplo, em um momento que deveria ser tenso, quando Cam foge para procurar uma esposa justo na hora de fechar a arca, Illa (namorada/esposa/irmã adotiva de Sem) sai atrás de Cam e encontra o vovô Metusalém na floresta. Ele dá um passe que a deixa com dor de barriga e meio ninfomaníaca. O mundo está acabando, mas Ila ataca Sem no meio do caminho, totalmente sem noção do momento ideal (e do local apropriado) para se fazer as coisas (sério, ela começa a beijar ele e você entende que vão tirar a roupa ali mesmo…).

O diabo (líder dos demônios) morre defendendo a arca, pede ao Criador que o perdoe, vira novamente um anjo luminoso e vai para o céu (momento piada que me fez rir), enquanto o outro (que tem cara de coitadinho) diz, com voz abobalhada: “o Criador levou ele para casa!” Então…todos eles querem defender a arca para serem levados de volta para o céu…e, de fato, são. Quer dizer, o diabo é bom, Deus não está nem aí para ninguém (além de ser psicopata, está muito, muito longe. Não dá para contar com Ele) e o homem é que é ruim. No filme, não tem como se livrar do mal, pois ele está dentro do ser humano. A saída? Não dá para entender racionalmente, não. Tem a ver com amor-sentimento e se deixar levar pelo coração. Bela pregação do inferno e completamente contrário ao que a gente acredita.

Dentro da arca, a família infeliz ouve os gritos das pessoas lá fora e insiste com Nãoé para resgatá-las, pois são pobres pessoas inocentes e famintas (manipulação emocional descarada).

“Viu o SENHOR que a maldade do homem se havia multiplicado na terra e que era continuamente mau todo desígnio do seu coração” (Gênesis 6.5) Ou seja, não eram homens famintos buscando comida. Não eram pessoas inocentes, coitadinhas, ignorantes cujo maior erro era comer animais. Não eram pobres criaturas injustiçadas. Era continuamente mau todo desígnio do seu coração. Todo desígnio do coração. De todo mundo, exceto Noé. Como eles iam se arrepender? Como poderiam mudar se não conseguiam enxergar seu erro? E, versículos 7 a 9:

“Então, se arrependeu o SENHOR de ter feito o homem na terra, e isso Lhe pesou no coração. Disse o SENHOR: Farei desaparecer da face da terra o homem que criei, o homem e o animal, os répteis e as aves dos céus; porque me arrependo de os haver feito. Porém Noé achou graça diante do SENHOR. Eis a história de Noé. Noé era homem justo e íntegro entre os seus contemporâneos; Noé andava com Deus.”

A ideia não era extinguir o homem, mas começar de novo. Deus escolheu Noé porque ele era diferente do restante da humanidade. E decidiu destruir o resto porque, entenda: pessoas vivendo na maldade e na injustiça já estavam mortas diante dEle. Apenas oficializaria sua condição.

Algum tempo depois, Ila descobre que está grávida ao cuspir em uma folhinha mágica…tipo um teste de farmácia pré-diluviano…hahaha… O problema é que Nãoé está convencido de que o criador quer exterminar sua família (Nãoé não leu a Bíblia). A notícia estraga o plano perfeito para a extinção da humanidade. Ele fica revoltado e tem mais um surto psicótico. Acredita que o Criador quer que ele mate o bebê, se for menina, para evitar que faça mais homenzinhos.

Obviamente, como o leitor já adivinhou, vai ser menina. Mas a partir daí o filme vira um dramalhão mexicano, com tentativas de manipulação emocional e tom sombrio, com Nãoé piradão andando pela arca com cara de psicopata e sua esposa magoada e histérica. Não há fé ou demonstrações de grandeza interior. E o Deus do filme é totalmente ausente, omisso, intolerante e cruel. Mais ou menos o que pensam dEle os que interpretam a Bíblia de modo raso e infantil.

Resumindo, Illa entra em trabalho de parto e tem gêmeas. Na hora em que vai esfaquear a cabeça das criancinhas, Nãoé sente amor no coração e o amor vence o ódio. O ódio, no caso, era a ordem do “criador”. Quando resolve desobedecer, Nãoé consegue ser sensato. (oi?)

Mesmo com o conflito resolvido, ao sair da arca, ninguém mais é feliz, nem inocente. Todo mundo matou ou pensou em matar. Não fala de aliança entre Deus e a humanidade, a mensagem original não é passada, o sentido original é distorcido. A história linda descrita nos capítulos 6, 7, 8 e 9 de Gênesis foi transformada em uma palhaçada. Gastaram milhões para enganar os espectadores e fazer uma babaquice pior do que Transformers. Mas dá dinheiro, e isso é o que Hollywood quer. Em um mundo onde o ceticismo burro impera e é fora de moda dizer que acredita em Deus, “Noé” consegue a proeza de enganar cristãos e ateus. Os primeiros, vão assistir por achar que é um filme espiritual. Os outros, vão assistir achando que não é espiritual.

O filme termina, sem que você tenha muita ideia de qual foi a intenção. Um sermão ecológico sobre não destruir os recursos naturais e se manter vegano mesmo no deserto? Uma discussão existencialista sobre “o ser humano merece viver?” Um filme de ficção com batalhas sem graça e personagens rasos? Um filme de terror com sangue espirrado, corpos em estado de putrefação e homens bestializados matando e morrendo por fome? Uma novela mexicana?

Um filme sem graça e mal escrito, pesado e arrastado, com personagens rasos e histórias ridículas. Há quebra de ritmo em diversos pontos e o personagem principal fica doido de uma hora para outra. É risível. Meu marido comentou que apenas dois filmes fizeram com que ele tivesse vontade de sair do cinema antes de terminar. Noé e “The Fountain”. Por coincidência, ambos de Darren Aronofsky. Cansativos, pretensiosos, arrastados, emocionalmente carregados e com tendências ecologico-newage-existencialistas.

O “Noé” do filme não tem nada a ver com o personagem original; o Deus do filme não tem nada a ver com o Deus da Bíblia, a história do filme não tem nada a ver com a história da Bíblia. O roteiro é tão ruim que precisou de um trailer-isca para enganar os incautos. Quero ver se pegassem um livro do Tolkien e fizessem uma distorção desse nível. A essa altura você teria uma porção de nerds dilacerando o roteirista e organizando boicotes em massa. Nunca mais o estúdio se atreveria a fazer algo parecido. O pessoal já ficou indignado porque no segundo filme do “Hobbit” acrescentaram uma personagem que não existia no livro! Imagina se alterassem toda a história, personalidade e caráter de absolutamente TODOS os personagens? O trabalho foi malfeito, mesmo. Eu me senti enganada, traída e assaltada.

Para mim, o verdadeiro roteirista desse filme (por trás do ser humano) foi o mesmo espírito que falou com o amigo perturbadinho de Jó…

“Uma palavra se me disse em segredo; e os meus ouvidos perceberam um sussurro dela. Entre pensamentos de visões noturnas, quando profundo sono cai sobre os homens, sobrevieram-me o espanto e o tremor, e todos os meus ossos estremeceram.

Então, um espírito passou por diante de mim; fez-me arrepiar os cabelos do meu corpo; parou ele, mas não lhe discerni a aparência; um vulto estava diante dos meus olhos; houve silêncio, e ouvi uma voz: Seria, porventura, o mortal justo diante de Deus? Seria, acaso, o homem puro diante do seu Criador? Eis que Deus não confia nos seus servos e aos seus anjos atribui imperfeições; quanto mais àqueles que habitam em casas de barro, cujo fundamento está no pó, e são esmagados como a traça! Nascem de manhã e à tarde são destruídos; perecem para sempre, sem que disso se faça caso. Se se lhes corta o fio da vida, morrem e não atingem a sabedoria.” (Jó 4.12-21)

E:

“Que é o homem, para que seja puro? E o que nasce de mulher, para ser justo? Eis que Deus não confia nos seus santos; nem os céus são puros aos Seus olhos, quanto menos o homem, que é abominável e corrupto, que bebe a iniquidade como a água!” (Jó 15.14-16)

Esse é o espírito que ajudou a escrever o roteiro de “Noé”. Não é um raciocínio muito semelhante? A forma de distorcer as coisas, dizendo que o diabo não é mau, Deus é que atribui imperfeição a tudo! E o ser humano é um nada, pó, ridículo e desprezível. Essa é a visão do diabo, não de Deus.

O objetivo de Deus sempre foi conseguir uma forma de redimir a humanidade, a quem Ele ama e sempre amou. O diabo nos despreza e sente profunda inveja porque Deus deu ao homem o privilégio de ser chamado Seu filho e de cuidar de tudo o que Ele fez. Se alguém tivesse clamado, querendo ouvir a Deus, como o chefe malvado fez em certo momento do filme, certamente ele não teria ficado de fora.

“Desviando-se o justo da sua justiça e praticando iniquidade, morrerá nela. E, convertendo-se o perverso da sua perversidade e fazendo juízo e justiça, por isto mesmo viverá.” (Ezequiel 33.18,19)

O filme não mostra as falas maravilhosas de Deus, seu amor pela humanidade, sua misericórdia, sua aliança com Noé… além de destruir a imagem de Deus e o que Ele pensa da humanidade, faz parecer que obedecer a Deus é algo ruim, que transforma homens pacatos em psicopatas…

Espero que esse texto ajude a evitar que você gaste seu suado dinheirinho com algo que não vale nem um centavo, principalmente por passar uma mensagem mentirosa. E espero que evite que você gaste duas horas e meia de sua vida com uma bobagem desse nível. O alerta é para que ninguém mais seja enganado como eu fui. Há uma diferença enorme entre um filme que assume que é mera ficção, fantasia, e um filme que finge ser uma coisa no trailer e é outra na exibição.

Vanessa Lampert

PS: Agora você consegue entender a campanha: “Eu não vou assistir a Noé” que tomou conta do Instagram ontem. É tanta baboseira no filme que nem dá vontade de comentar, só de alertar os amigos para que não percam tempo. Mas como muita gente estava achando que o que tinha de diferente da Bíblia era só uma ou outra adaptação e estava curiosa para assistir, achei que seria importante escrever.

PS2: Quer economizar seu dinheiro e seu tempo, mas ainda quer saber mais detalhes da história? Eu escrevi a sequência completa do filme, para que você conheça a história sem precisar gastar duas horas e meia no cinema. Mas ficaria grande demais para colocar aqui, então vou deixar o link. Clique aqui para ler.

PS3: Quanto aos efeitos especiais, sinceramente, não vi nada que já não tivesse visto em outros filmes. Eu entenderia o argumento de “ver por causa dos efeitos especiais” se estivéssemos falando de Avatar, por exemplo, que cria outro mundo, ou mesmo Senhor dos Anéis. “Noé” peca até nisso. Para quem está habituado a filmes com efeitos especiais, é fraco.

UPDATE: Não achei que precisaria explicar isso, mas vamos lá: Na Bíblia, os anjos que ficaram no céu são anjos. Os que caíram, são demônios. No filme, os Guardiões são anjos caídos, logo, demônios. O chefe deles chama-se Samyaza, nome identificado com o líder dos demônios no livro apócrifo de Enoque. Então, eu não estou inventando nada quando chamo os gigantes de pedra de demônios. O básico de qualquer adaptação cinematográfica é manter-se fiel ao espírito do original. Isso é teoria do roteiro. Você pode (e deve) adaptar à linguagem do cinema, omitindo algumas coisas e criando outras, para que a história flua bem na tela e seu roteiro seja original, mas sem descaracterizar a história, ou é melhor chamá-la de outra coisa. O que Aronofsky fez em “Noé” não é uma adaptação.

Para quem assistiu a (ou leu) “Senhor dos Anéis”: é como se ele fizesse um filme em que Sauron é bonzinho, os Orcs ajudam os habitantes da Terra Média e o anel deixa as pessoas melhores…e chamasse isso de “Senhor dos Anéis”. E no trailer, desse a entender que seria uma adaptação. Seria visto como um roteirista incompetente e execrado pela opinião pública e crítica especializada. E Hollywood já fez boas adaptações, inclusive bíblicas, mas em um passado muuuito distante.

 

*Texto originalmente publicado no blog Cristiane Cardoso