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Livros que não são o que parecem – A Cabana

Mack é casado e teve três filhos. Sua mulher é uma cristã fervorosa, participa das atividades de sua igreja e chama Deus de “Papai”. Durante um acampamento em família, uma tragédia acontece: Missy, a filha mais nova de Mack, é raptada e assassinada em uma cabana. Anos se passam e Mack continua em depressão por conta do crime, pois não se conforma com a crueldade que lhe roubou a criança de cinco anos, e se ressente de Deus. Certo dia, recebe um bilhete:

Mackenzie

Já faz um tempo. Senti sua falta. Estarei na cabana no fim de semana que vem, se você quiser me encontrar.

Papai.

Como Mack matou o pai alcoólatra e abusivo quando era adolescente, aquele bilhete é ainda mais perturbador. Após alguma hesitação, vai até a cabana onde sua filha foi assassinada. Adormece, e quando acorda, ela está totalmente diferente e habitada por três estranhas criaturas. São os três piores personagens do livro,  mal construídos. Era para ser a trindade. Deus Pai aparece em forma de uma “negra enorme”, nas palavras do autor. Ela o abraça, espalhafatosa e caricata. A explicação para que apareça em forma feminina é até plausível:

“Se eu me revelasse a você como uma figura muito grande, branca e com aparência de avô com uma barba comprida, simplesmente reforçaria seus estereótipos religiosos. É importante você saber que o objetivo deste fim de semana não é reforçar esses estereótipos.”

Ok, tem alguma lógica nessa desculpa. O problema é que não é apenas uma questão de aparência para “quebrar o gelo” ou “não reforçar os estereótipos”. A mulher cantarola, assa bolinhos, e todo seu comportamento me fez pensar: “que deus mais dissimulado, falso, fica o tempo inteiro representando um papel…o que aconteceu com o ‘Eu sou o que sou’?”. Eu tive essa impressão de dissimulação o tempo todo.

Mack está angustiado, procurando respostas para a tragédia que se abateu sobre a sua família, mas não as encontra nunca. Sempre que faz alguma pergunta, recebe respostas evasivas e emocionais. Aliás, linguagem do livro é totalmente emotiva.

Ah, eu já ia me esquecendo do restante da trindade. O “Espírito Santo” é representado como uma mulher asiática chamada Sarayu…a descrição me trouxe à mente algo próximo a uma fadinha: ”

“Ela parecia tremeluzir na luz e seu cabelo voava em todas as direções, apesar de não haver nenhuma brisa. Era quase mais fácil vê-la com o canto do olho do que fixando-a diretamente”.

Amigos, meu cabelo também voa em todas as direções, mas resolvo rapidinho com um bom creme sem enxague. Não entendi muito bem qual é a real utilidade desse ser, e pelo visto, o autor também não. Ela fica tremeluzindo para lá e para cá, recolhendo lágrimas com um pincel (para colecionar), mexendo no jardim e fazendo discursos melosos e desconexos. Realmente, não tem nada a ver com o Espírito Santo que eu conheço

Aí me lembro de quando o Espírito de Deus se apossava de Sansão…a Bíblia diz que ele matou um leão com suas próprias mãos, lembra? E mil homens com uma queixada de jumento. Imagino essa figura Sarayu se apossando de Sansão e o herói rodopiando entre seus inimigos, dançando e recolhendo lágrimas…ou fazendo carinho no leão e oferecendo o braço para ser comido.

E Jesus…bem, o Jesus de “A Cabana” me pareceu um bobalhão inexpressivo, apesar do “Papai” do livro dizer que Ele é o centro de tudo, não dá para entender o porquê.

“O homem, que parecia ter 30 e poucos anos e era um pouco mais baixo do que Mack, interrompeu:
– Tento manter as coisas consertadas por aqui. Mas gosto de trabalhar com as mãos, se bem que, como essas duas vão lhe dizer, sinto prazer em cozinhar e cuidar do jardim.”

Jesus gosta de cuidar do jardim. E o jardim são as almas humanas. Nem preciso dizer o que me veio a cabeça: Jesus é o Jardineiro…

Eu já disse em outro texto que tenho um bom raciocínio lógico, não é? Isso tem um efeito colateral. Sabe aquele amontoado de frases bonitas, emocionais, mas sem muito sentido, que as pessoas leem e dizem: “nossa, que lindo?” Eu não consigo achar lindo. Só o que vejo é que elas não fazem sentido. Sou o tipo de gente que se ouvir uma melodia linda, mas com uma letra horrível ou sem nexo, não vai gostar da música. E posso gostar de uma música com melodia ruim, desde que tenha uma letra inteligente.

“A Cabana” tem uma melodia feita para emocionar, mas a letra é confusa e sem nexo. Mack tenta pensar, mas “deus” faz com que ele sinta. Tudo é sobre o amor, mas não o amor que a Bíblia descreve e explica, e sim, o amor-sentimento. Você  pode achar lindo, pode parecer que é um deus condescendente, que dá para encaixar mais facilmente na caixinha que tem em cima do criado-mudo, mas não é o verdadeiro Deus.

“Deus, que é a base de todo o ser, mora dentro, em volta e através de todas as coisas”

Isso é dito pelo “jesus” de William Young. Me parece uma definição emprestada de alguma linha esotérica. Deus mora dentro, em volta e através de todas as coisas? Quando eu leio “de todas as coisas” minha tendência é pensar nas coisas mais esdrúxulas, mais ruins. Deus mora dentro, em volta e através disso também? Deus é puro, santo e justo. Se a Bíblia não diz que Ele mora dentro de todas as pessoas, vai morar dentro de todas as coisas?

”Quando nós três penetramos na existência humana sob a forma do Filho de Deus, nos tornamos totalmente humanos”

A teoria aqui é que a trindade estava encarnada em Jesus, 100% humano. O que faria com que o universo inteiro ficasse sem Deus por 33 anos. Imagine o que o diabo não faria com um universo desgovernado em suas mãos por 33 anos? Mas isso não é problema para o deus de “A Cabana”, pois o diabo não é sequer mencionado. E outra, se fosse assim, Jesus precisaria orar ao Pai? E falaria do Pai e do Espírito Santo em terceira pessoa?

O deus de Young diz:

“Há milhões de motivos para permitir a dor, a mágoa e o sofrimento, em vez de erradicá-los, mas a maioria desses motivos só pode ser entendida dentro da história de cada pessoa.”

Primeiro: há milhões de motivos, mas ele não cita nenhum. Se era o caso de dizer que dependia da história da pessoa, poderia ter começado pela história do próprio Mack. O que eu entendo desse trecho é que Deus permite o sofrimento por um motivo, para um resultado positivo…a ideia de “provação” ou “karma” poderia ser empregada aqui. Ideia totalmente equivocada. O confuso autor tenta explicar o que não entende.

Por enquanto só quero que você esteja comigo e descubra que nosso relacionamento não tem a ver com seu desempenho nem com qualquer obrigação de me agradar.

Quer dizer que é possível ter um relacionamento com Deus sem agradá-lo? Que tipo de relacionamento é esse que não tem a ver com nosso desempenho ou esforço? Que porta larga é essa? Nenhum relacionamento verdadeiro se sustenta sem o esforço de agradar ao outro, nenhum relacionamento independe de desempenho, só o emocional, vazio e inócuo que o deus Young tenta vender aos leitores.

Não sou um valentão nem uma divindade egocêntrica e exigente que insiste que as coisas sejam feitas do jeito que eu quero. Sou boa e só desejo o que é melhor para você. Não é pela culpa, pela condenação ou pela coerção que você vai encontrar isso. É apenas praticando um relacionamento de amor. “

Esse é o “estilo literário” do próprio diabo, distorcendo a verdadeira imagem de Deus. Lembro das palavras do espírito maligno que apareceu para o amigo perturbado de Jó:

“Eis que Deus não confia nos seus servos e aos Seus anjos atribui imperfeições” (Jó 4:18)

Analise a lógica distorcida do diabo. Na opinião dele, não foi ele quem caiu, não foi ele que errou, Deus é que lhe atribuiu imperfeições! Esse mesmo raciocínio pode dizer que Deus exige que as coisas sejam feitas da maneira correta não porque Ele é santo e justo, mas porque Ele é “uma divindade egocêntrica e exigente”.

Por fim, Mack encontra os mortos. Primeiro, vê sua filha e…sentimentalismo, sentimentalismo…depois, encontra seu pai (o que ele está fazendo no céu? Boa pergunta. Nesse livro, todo mundo vai para o céu), em um dos capítulos mais esquisitos do livro.  Te convido a analisar de maneira fria e cerebral o seguinte trecho:

Quando chegou a Sarayu, ela o abraçou também e ele deixou que ela o segurasse enquanto continuava a chorar. Quando recuperou uma leve tranqüilidade, virou-se para olhar de novo a campina, o lago e o céu noturno. Um silêncio baixou. A antecipação era palpável. De repente, à direita, saindo da escuridão, surgiu Jesus e o pandemônio irrompeu. Ele vestia uma roupa branca e usava na cabeça uma coroa simples de ouro, mas era, em cada centímetro do seu ser, o rei do universo.

Note a carga emocional desse trecho. Ela o abraça, ele chora…depois as descrições sensoriais: cita a tranquilidade, faz o leitor “ver” a campina, o lago e o céu noturno (céu noturno, para que você também “veja” as estrelas em sua imaginação), depois faz o leitor “escutar” o silêncio.  ”A antecipação era palpável” te traz uma sensação de expectativa. “De repente” te traz uma nova e súbita visão. Ok, é um romance, é necessário utilizar recursos que evoquem emoções e sensações no leitor, porém quando o livro não tem nada além disso, passa a ser um problema: Você está sendo manipulado. Entendendo isso, analise a sequência:

Seguiu pelo caminho que se abriu à sua frente até chegar ao centro – o centro de toda a Criação, o homem que é Deus e o Deus que é homem. Luz e cor dançavam e teciam uma tapeçaria de amor para ele pisar. Alguns choravam, dizendo palavras de amor, enquanto outros simplesmente permaneciam de mãos levantadas. Muitos daqueles cujas cores eram as mais ricas e profundas estavam deitados com o rosto no chão. Tudo que respirava cantava uma canção de amor e agradecimento sem fim. Nessa noite o universo era como devia ser.

Sensorial, sentimental…Quando ele fala de “luz e cor” é porque, segundo ele, a personalidade e as emoções das pessoas são visíveis espiritualmente como cor e luz. Agora me diga, please, o que raios significa “Luz e cor dançavam e teciam uma tapeçaria de amor para ele pisar”?  Temos aqui uma construção que traz sonoridade…e só. Como uma melodia com letra desconexa, mas se você prestar atenção, é uma melodia pobre, vazia. Parece bonita, mas nem isso é. E assim eu vejo todo esse parágrafo. Mas o próximo é pior:

Quando chegou ao centro, Jesus parou para olhar em volta. Seus olhos pousaram em Mack, que, parado na pequena colina, ouviu Jesus sussurrar em seu ouvido:
— Mack, eu gosto especialmente de você. – Foi tudo que Mack conseguiu suportar enquanto caía no chão dissolvendo-se numa onda de lágrimas jubilosas. Não podia se mexer, preso no abraço de Jesus, feito de amor e ternura.

Amigos, vejo uma fanerose aqui? Mack “caiu no poder”? Fora isso, note a quantidade de sentimentalismo e termos sensoriais. Sem contar a breguice das frases, me desculpe, mas “Dissolvendo-se numa onda de lágrimas jubilosas”…”feito de amor e ternura”…bleargh.

Não vou me estender sobre os recursos literários que me irritam em Young, porque o conteúdo do livro já o desqualifica como leitura, então não adianta eu te dizer que ele não é bem construído. O perigo é ele fisgar o coração dos leitores e convencê-los de que aquilo que ele descreve é Deus.

Para escrever sobre “A Cabana”, dei uma olhada em alguns comentários de pessoas que o leram e fiquei assustada. Muitos mudaram sua forma de enxergar Deus por causa do livro! Isso é muito sério! As pessoas tomam a ficção como se fosse verdade, acima até da Bíblia. Isso é resultado apenas de uma coisa: do tipo de fé que estão acostumadas a ter. Se a sua fé é emocional, você vai se deleitar com as frases melosas desse livro, vai desejar estar naquela Cabana, com aqueles seres “fantásticos”.
Mas o resultado disso é que se verá orando para, adorando a, e desejando se relacionar com um personagem que não é Deus. Na melhor das hipóteses, é somente criação da mente confusa do autor. E na pior das hipóteses é a entidade que inspirou tudo isso. Em qualquer uma das opções, perderá a oportunidade de conhecer o verdadeiro Deus e dará sua adoração a outro. E quando falamos de salvação eterna, isso, meus amigos, é mais do que perigoso.

Vanessa Lampert

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UPDATE: Troquei a imagem do post, porque me dei conta de que tem gente tão desatenta, mas tão desatenta (ou tem preguiça de ler), que nem o título lê direito, vê apenas a imagem da capa e acha que é a Cristiane  indicando o livro! Assim, se não quiserem ler, pelo menos perceberão que eu não estou indicando o livro (muito menos a Cristiane!).

Originalmente postado no blog Cristiane Cardoso. Clique aqui para ver a postagem original.(O blog da Cris foi reformulado e as postagens antigas se perderam, por isso os links que apontam lá não funcionam mais. 

Antes de dormir

Vamos hoje para um romance de entretenimento que me espantou um pouquinho. Eu já falei aqui que sou atraída por histórias de amnésias, não? Mas depois de “Para sempre”, achei que ninguém traria mais nada de novo. “Antes de dormir” (S.J.Watson, editora Record) me pegou primeiro pela capa (coisa séria, né? Pessoa indo pelas aparências), mas depois olhei a sinopse e já não sabia se gostava porque era história de amnésia ou se não gostava porque achava que amnésia já tinha dado o que tinha que dar.

E o comentário na capa do livro “Simplesmente o melhor romance de estreia que já li” não quer dizer muita coisa, convenhamos. Quantos romances de estreia essa pessoa leu? Sem esse dado, eu não posso avaliar. Se ela leu quinhentos romances de estreia, o livro podia ser realmente bom, mas e se leu dois? Ou um? Sem contar que isso me soa como aquelas resenhas de produtos que dizem que “é muito bom pelo preço”, quer dizer que pode ser uma bela de uma porcaria, mas se for barato, está perdoado. Como era o romance de estreia do cara, poderia ser ruim que não teria problema. Seria isso?

Comecei a ler sem expectativa alguma. Christine se assusta ao acordar ao lado de um estranho, sem entender por que não se lembra de como chegou àquele quarto. Ao entrar no banheiro, se apavora com as fotos coladas no espelho e com o reflexo de seu rosto envelhecido. Já está com mais de quarenta, mas sua mente parou nos vinte e poucos, quando sofreu o acidente, há 27 anos. Assim começa a história. O único apoio dessa confusa mulher é o marido, Ben. Ele é um amor, super cuidadoso, resignado, e você simpatiza com ele de cara, poxa vida, o homem passou quase trinta anos cuidando da mulher amnésica, cumprindo a mesma rotina exaustiva todos os dias. A primeira impressão que tive dele foi de um homem cuidadoso, amoroso, mas já cansado de lutar.

Me coloquei no lugar dele e admirei seu sacrifício pela esposa. Mas quando Ben sai para trabalhar, um telefonema começa a bagunçar as coisas. (Não vou dar nenhum spoiler que já não esteja na sinopse ou na orelha, não se preocupe.) O estranho se apresenta como médico e diz que eles têm se encontrado sem que Ben saiba e que ela tem escrito um diário, como parte do tratamento. Quando o encontra e começa a ler seus dias anteriores, descobre que Ben esconde informações e a trama se complica.

É um romance de suspense, amigos! Quem diria! E um suspense inteligente, bem feito. A trama é bem emaranhada. Geralmente eu adivinho o final das coisas…rs…tenho um raciocínio lógico muito bom, então desvendo os mistérios dos livros com certa facilidade, mas esse não foi fácil, não. No ponto crucial, quando o nó começa a se desfazer, eu tive que me perguntar: “caramba, como não pensei nisso?” E eu não pensei nisso! Sério, mesmo. Deve ser um bom exercicio para o cérebro, porque você fica tentando descobrir como encaixar aquelas peças e descobrir o que aconteceu com Christine e se realmente tem alguma coisa de errado na história toda ou é coisa da cabeça dela. Deve ser algo como montar um quebra-cabeças de milhões de pecinhas, só que mais divertido.

Fora uma ou outra cena desnecessária, o ritmo é ágil e agradável, principalmente do meio para o final e eu me peguei pensando sobre as escolhas que a gente faz na vida e suas consequências. E também na importância de estar bem consciente do que se vive. Não foi “o melhor romance de estreia que eu já li”, mas S.J. Watson conseguiu fazer o impensável: inovar em uma história de romance de amnésia (gostou da nova classificação? “Romance de amnésia”). Só isso já valeria a leitura.

Vanessa Lampert

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