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Os ideais

Meu texto sobre as eleições foi publicado no blog do Bispo Macedo. Fiquei feliz, pois mais pessoas poderiam se identificar com ele, o que de fato aconteceu. Estranhamente, em um primeiro momento não houve o chilique público, talvez pelo post ser assinado. Depois, começaram os comentários. Um me pergunta: “Quanto o Edir Macedo está lhe pagando?”

Não, eu não  vou te convencer de que o Bispo Macedo não é como você pensa que ele é, nem que ele realmente acredita e vive tudo o que ele prega (apesar de eu poder te garantir isso. Ele realmente acredita e vive o que prega).  Não vou te convencer de que a mídia manipula a opinião pública sobre a IURD há 20 anos.  Não vou te convencer de que eu acredito em tudo o que escrevo. Não vou te convencer de que eu sempre defendi aquilo em que acredito. Se você não me conhece, nada do que eu disser terá algum peso, não é mesmo? Não me importa. Não é disso que eu quero falar.

O que achei estranho nessa história toda é que a sociedade está predisposta a dois pensamentos que, em minha opinião, são igualmente tristes:

1 – Se a pessoa escreve com convicção alguma coisa com a qual o leitor não concorde, já se imagina que ela foi paga para isso. Trocou sua opinião por dinheiro.

2 – Se ela não recebeu dinheiro em troca, ela é idiota. Ingênua, ignorante.

Afinal de contas,  é errado o que vende suas convicções, mas se é idiota o que defende suas convicções de graça, o certo é o quê? Não ter convicções? Ou não defender aquilo em que acredita?

As pessoas vivem tão mergulhadas em tantas dúvidas, medos, receios e desconfianças, que é impossível ter uma convicção verdadeira. As convicções verdadeiras são fruto de raciocínio e de certeza, e só assim tornam-se suficientemente fortes para serem defendidas com segurança.  Quem não tem segurança dentro de si, vai buscá-la do lado de fora.

Esse é o trabalho que a indústria do entretenimento e a mídia têm feito em conjunto há muitos anos. Ao mesmo tempo em que trabalham para tirar de seu público as certezas pessoais e enchê-lo de dúvidas e desconfiança, lhe oferecem as certezas pré-fabricadas de que ele precisa.  Não é de se espantar que as pessoas digam as mesmas coisas, ajam da mesma forma, repitam as mesmas frases, as mesmas acusações, como uma manada, como um exército de autômatos que nos acusa de ser um exército de autômatos.

Vivem interessados no que vai acontecer na novela, cantando as músicas que a TV lhes diz para cantar, usando as roupas que a novela lhes diz para usar, repetindo os bordões dos personagens, emprestando a linha de raciocínio retirada dos telejornais, dos jornais impressos, da Veja, absorvendo a lógica da mídia como se fosse a verdade absoluta que lhes sirva de base para toda e qualquer argumentação. E nós é que somos os manipulados.

As pessoas (muitas pessoas de boa índole, inclusive), acreditando que estão impedindo uma catástrofe, permitirão uma catástrofe ainda maior* (aliás, isso é bíblico).

Os seres humanos são idealistas por natureza. Se estiverem preenchidos de cinismo e rejeitarem os ideais verdadeiros, abraçarão qualquer ideal que lhes for apresentado. Aí quem lhes apresentou esse ideal terá material humano para fazer o que quiser. Então você vê uma multidão revanchista, com ideais negativos (que, no entanto, têm uma justificativa positiva, e por isso atraem até muita gente boa) e discursos raivosos contra aqueles que defendem positivamente suas causas, de uma maneira racional e equilibrada.

Por isso prefiro me manter com alienígena neste mundo. Desconectada da Matrix, querendo desconectar outras pessoas (afinal, para isso fomos chamados…faz parte do cristianismo oferecer essa libertação aos que nem sabem que estão cativos. Há uma ordem expressa na Bíblia.), mas sabendo que não posso obrigar ninguém a raciocinar. Tomar a pílula vermelha é escolha de cada um. Em um primeiro momento, é mais confortável não tomar e seguir a corrente. O problema é aonde essa corrente irá levar.

*Em muito menor escala, foi o que aconteceu nessas eleições municipais. Eleitores sedentos por um ideal verdadeiro, abraçaram o ideal da mídia “vou votar no Serra/Haddad só para impedir a vitória do Russomano”, acreditando sinceramente que estavam atrapalhando uma espécie de golpe de estado religioso.

PS: Ainda sobre eleições, esse excelente texto do João da Paz (clique para ler) mostra o estilo de jornalismo da Folha de São Paulo, durante as eleições municipais. Claro que não foi apenas a Folha, quem viu a entrevista de Russomano à César Tralli, na Globo, percebeu que seguia a mesma linha. Não era interesse da velha mídia que Russomano tomasse o lugar do candidato do PSDB no segundo turno, e conseguiram manipular toda a máquina nesse sentido. Se o Serra ganhar, darei os parabéns ao PT.

Sangue Quente*

Começo esclarecendo que “zumbi” não é um tema que me agrade. A saída de Isaac Marion, no entanto, é surpreendente. Ele teve coragem de contar uma história diferente, e fiquei grata por isso, pois abri o livro sem nem mesmo saber do que se tratava. “Sangue Quente” (“Warm bodies”, no original…e a tradução do título, nesse caso, foi feliz, já que “Corpos quentes” teria uma conotação sensual que o livro não tem), da editora Leya, é um romance escrito em uma linguagem de fácil leitura, mas que em momento algum é pobre ou infantil.Pelo contrário, o cara escreve muito, muito bem. Se você gosta de escrever, vale a pena ler só para analisar o jeito dele contar a história. Vou cuidar para colocar apenas os spoilers que já estão na sinopse do livro, na contracapa e na orelha. Aí ninguém pode reclamar que revelei alguma coisa…rs…A menos que você leia um livro sem ler a contracapa e a orelha, coisa que não recomendo.

Me espantei logo de cara com o bom ritmo e pelo fato de ser narrado em primeira pessoa por um zumbi, o que torna a história surreal ainda mais surreal, mas convence. R. não lembra do próprio nome, não lembra de nada de sua vida e o autor não se preocupa em dar muitas respostas (em certo ponto o leitor para de perguntar, pois vê que algumas questões não são relevantes). No livro, como em qualquer ficção, zumbis comem seres humanos. Se você já assistiu a um filme de zumbi, deve se lembrar que eles gostam especialmente de cérebro. Finalmente, temos uma explicação plausível: ao ingerir o cérebro, os zumbis têm um breve lampejo da vida de sua infeliz vítima. É quase como uma droga que faz com que eles consigam ter a sensação de viver novamente. São poucos instantes, então eles querem mais. É triste, pois em seguida voltam às suas vidas de mortos-vivos…aliás, assim são as emoções e diversão que este mundo oferece: pequenos pedaços de entusiasmo, alegria temporária e depois…voltam às suas vidas de mortos-vivos. Quantas pessoas assim você conhece? O “cééérebro” que elas comem é o álcool, são as drogas, as baladas, o namorado, um hobby, a religião, a filosofia, o sexo, a internet…mas nada é suficiente para lhes dar vida de verdade. O vazio se torna ainda maior após o efeito ter passado

Tudo vai bem até que ele come um cérebro diferente. Por algum motivo, as lembranças deste cérebro são mais intensas (viaje na história, ok? É um mundo onde isso é possível…risos…) e ele tem vontade de proteger a menina que o dono do cérebro amava. Ele a leva consigo, juntamente com o restinho do cérebro do rapaz, que vai degustando como aperitivo por grande parte do livro. O ritmo fica um pouco mais arrastado lá pelo meio do livro, mas nada que prejudique a leitura, depois acelera novamente.

Muita gente não gostou desse livro porque apesar do universo de “R” ser triste, a narrativa é claramente otimista. Mesmo quando ele descreve os sentimentos de um rapaz depressivo (o dono do tal cérebro), você percebe o quanto aqueles pensamentos não têm sentido e fica com vontade de sacudir o cara…é o escritor que te faz entender isso, de maneira muito sutil. Enquanto o garoto justifica sua falta de esperança, o jeito do autor escrever te faz ver o quanto ele estava errado em desistir de lutar. Também fica claro o quanto Isaac se divertiu ao escrever o livro e talvez por isso a leitura seja tão agradável.

O interesse por uma menina viva faz com que o zumbi comece a descobrir a vida, aos poucos, e a mudança em sua realidade acontece de maneira natural. Você pode encaixar várias metáforas nessa história. Aliás, eu li o livro como uma grande metáfora da sociedade. Inclusive algo que o Bispo Macedo disse em uma reunião de domingo na João Dias me fez lembrar deste livro na hora. Ele comparou as pessoas que não nasceram de novo a zumbis. Quem não teve um encontro com Deus vive como R. e seus amigos no início do livro, mortos-vivos, corpos vazios vagando pelo mundo em busca de céééérebros… Depois que conhecem a Deus, começam a viver.

Não, o Bispo Macedo não leu este livro…rs… No entanto, esse despertamento de R. diante do amor é semelhante ao que acontece quando a pessoa finalmente nasce de Deus e começa a descobrir o que é viver, esse paralelo é bem real. Depois que terminei de ler, pesquisei na internet para ver aos outras opiniões. Vi muita gente elogiando, alguns criticando sem ter lido (esse é o ápice da ignorância) e outros falando mal porque o livro tinha uma mensagem de esperança. É mole? O mundo – principalmente o dos “intelectualóides” – padece de um mal chamado “culto à desilusão” onde só tem valor e é considerado bonito o que for triste, pessimista e negativo.

Bem, voltemos ao livro. O relacionamento entre o zumbi e a moça é contado de forma delicada, e é – por motivos óbvios – algo não físico. Ela não se interessa pelos belos olhos azuis dele ou por seu corpinho apodrecido, mas por quem ele é. Ela é meio desmiolada e o escritor coloca em sua boca alguns poucos palavrões que achei desnecessários, meio fora de contexto, mas você acaba fazendo algumas concessões quando o livro é bom, e essa é uma delas. A ideia dele certamente foi mostrar o contraste entre a personalidade dos dois. O zumbi se interessa por ela justamente por causa de seus excessos. Ela transborda vitalidade, como toda adolescente, e ele anseia por um pouco daquela vida. Mas como ela poderia gostar dele? Ainda que gostasse, como ficariam juntos em um mundo em guerra, semidestruído, em que os Zumbis são monstros canibais que se espalharam, obrigando os humanos a viverem escondidos em estádios fechados, como minorias acuadas, à beira do fim da civilização? Como ele poderia ser aceito no mundo dela? Como ela poderia sobreviver no mundo dele?

Ah, também vi comentários de pessoas indignadas por ele ter “maculado a mitologia zumbi”…isso é ridículo. Zumbis não existem, e desde que haja uma boa premissa e o cara consiga explicar tudo direitinho, pode escrever o que quiser, de acordo com a imaginação dele, afinal de contas, é ele que está criando esse universo (diferente de quando você escreve um romance realista). No caso, ele não quis descaracterizar o zumbi, apenas mostrar o que acontece lá dentro, por trás da aparência de cadáver ambulante. Os zumbis do livro comem cérebro e atacam as pessoas grunhindo. Eles não conseguem articular palavras e os pensamentos são bastante diferentes dos vivos, mas você acompanha um desenvolvimento emocional improvável e até um tanto quanto frio de R, mas bastante verossímil.

Eu descubro que gostei mesmo do livro quando me pego incentivando outras pessoas a lê-lo e foi assim com Sangue Quente. Tudo bem que um ou outro me olhou meio atravessado por ter preconceito contra zumbis…rs…mas como os direitos do livro já foram comprados e talvez o filme não seja tão bom quanto o livro, achei melhor informá-los a respeito antes que Hollywood estrague tudo.

Vanessa Lampert

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* Resenha originalmente publicada em:

http://www.cristianecardoso.com/pt/portfolio/livros/